terça-feira, 9 de maio de 2023

As Meninas Cantoras de Petrópolis, artigo do Pe. João Medeiros



 
 
 
 
 
 
Padre João Medeiros Filho
Arquidiocese de Natal

 


A cidade de Petrópolis (RJ) legou-nos importantes corais, notadamente os Canarinhos, nascido à sombra do Convento dos Franciscanos e as Meninas Cantoras, grupo criado e regido brilhantemente pelo Maestro Marco Aurélio Xavier, durante quarenta anos (1976-2016). Ele foi discípulo de renomados mestres brasileiros e estrangeiros, dentre os quais, Arnaldo Estrella e Esther Scliar. Especializou-se em técnicas vocais, regência e organização de corais. Estagiou junto a instituições seculares como os coros das catedrais de Ratisbona (Alemanha), Viena (Áustria) e da Capela Sistina (Vaticano). Na Abadia Beneditina de Nossa Senhora de Montserrat (Barcelona) estudou com o monge Dom Irineu Segara, regente naquele mosteiro, durante cinquenta anos. “Servi ao Senhor com alegria. Vinde a Ele, cantando jubilosos” (Sl 100/99, 1), recomenda-nos o salmista.

No Brasil, as Meninas Cantoras formaram um grupo musical exclusivamente de vozes femininas. Não se deve confundir com aquele das Cantoras de Nova Petrópolis, município da Serra Gaúcha, datando de 1999. Difere das Meninas dos Canarinhos. A seleção das candidatas a Meninas Cantoras de Petrópolis era rigorosa, incluindo a indispensável avaliação de aptidões musicais. Sua formação durava cerca de três anos de aprendizado e treinamento com matérias teóricas e técnicas vocais. Após essa caminhada, a aluna estava apta para integrar o grupo. Este seguia o exemplo de renomadas “Scholae Cantorum” europeias, especialmente, alemãs, italianas e espanholas. Adotava o método da Escolania de Montserrat que atua, desde o século IX, nos ofícios litúrgicos do citado mosteiro catalão. A candidata passa pelo ritual da investidura, tendo seu ápice com a entrega do Sapatinho de Verniz, símbolo do coral. Este transita em seu repertório por vários gêneros melódicos, do sacro ao profano, do clássico ao popular, interpretando canções em vários idiomas.

Em 2 de março de 2016, foi anunciado o encerramento do grupo. Isto deveria acontecer, após a celebração da data de seu quadragésimo aniversário. A falta de apoio financeiro motivou o término das atividades. Assim desabafa o seu fundador: “Sobrevivemos quarenta anos sem nenhum apoio governamental, político ou empresarial. Os pais e eu mantivemos esse coro por quatro décadas, com os meus dez dedos e a minha garganta.” Vídeos e gravações mostram as parcerias com artistas famosos. Fizeram várias turnês nacionais e internacionais, tendo sido abençoadas pelo Papa São João Paulo II. Receberam também as bênçãos do Cardeal Eugênio Sales, arcebispo metropolitano do Rio de Janeiro, admirador do coral. O eminente eclesiástico ouvia amiúde a sua interpretação do canto da Oração de São Francisco. E sobre elas comentara com Dom José Carlos de Lima Vaz, seu bispo auxiliar e posteriormente prelado petropolitano: “Belas vozes. São amostras de acordes angelicais e celestes.”

Em quarenta anos, gravaram dezenas de cds e vídeos. Recordistas de apresentações pelo Brasil, foram entrevistadas em inúmeros programas de rádio e tv. Num passeio pelo “Google”, o amante da boa música irá se deleitar com belíssimas interpretações de melodias clássicas e modernas. Como não admirar a Canção do Mar com solo de Natália? Extasiante é a interpretação de Rosa, de Pixinguinha. Inegável é a beleza da voz de Mariana, no canto de Lascia chi’o pianga (Händel). Não há como esquecer o solo de Danielle Andrezza em Não Precisa, de Paula Fernandes. Há centenas de lindas músicas brasileiras e internacionais com solistas talentosas. Ouvir Panis Angelicus, Ave Maria, de Gounod e o Magnificat remete-nos ao clima orante das grandes catedrais, igrejas abaciais e basílicas medievais. 

É lamentável que não tenha havido ninguém, nem o Ministério da Cultura (que investe em tanto desperdício) ou empresas com lucros consideráveis para patrocinar esse coral, uma das melhores atrações de canto de que dispúnhamos. Nem mesmo a edição da Lei Fluminense nº 7234, de 15/03/2016, declarando-o patrimônio cultural imaterial do Estado do Rio de Janeiro, evitou o encerramento de suas tarefas. Triste país que consome e financia, nos tempos atuais, um tipo de arte, deixando muito a desejar e ignora talentos e valores que se empenham em engrandecer a Pátria. Nas apresentações em recintos profanos ou sagrados, durante as quatro décadas de sua existência, as Meninas Cantoras de Petrópolis seguiram o convite do salmista: “Cantai ao Senhor um cântico novo, pois Ele fez maravilhas” (Sl 98/97, 1).

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