sábado, 12 de outubro de 2024

UMA IGREJA QUE NOS DEIXA COM MUITAS INTERROGAÇÕES NOS TEMPOS ATUAIS

Por Diác. Adilson da Silva

“De fato, do mesmo modo que o corpo sem o espírito é cadáver, assim também a fé: sem as obras ela é cadáver” (Tg 2, 26)

A ação pastoral da Igreja é feita por pessoas, pelos seguidores e seguidoras de Jesus Cristo. Entretanto, não é mera ação humana, pois, conta com o DINAMISMO DO ESPÍRITO SANTO e a GRAÇA DE DEUS que nos sustentam na caminhada, não obstante nossas fraquezas, limitações e todas as contingências que possam existir. Deste modo, a ação pastoral deve ser pensada, planejada, refletida e aplicada na vida da Igreja e, consequentemente na vida das pessoas, para que ela possa ser verdadeiramente sinal de Jesus Cristo no meio do mundo, sobretudo junto aos mais simples e vulnerabilizados.

A presença da Igreja no mundo se dá através da administração dos Sacramentos, sobretudo, da “Eucaristia, Fonte e Ápice de toda a vida cristã”. Também se faz por sua ação missionária e pastoral, através de tantos grupos, pastorais, movimentos, serviços e de tantas formas de devoção popular.

No meio dos mais vulneráveis e empobrecidos se faz concretamente pela ação da caridade, através de uma ação social que deve superar todo e qualquer assistencialismo que leva à dependência, à acomodação e aos vícios. O próprio agir social da Igreja deve trazer o rosto acolhedor de Jesus e sua obra evangelizadora e vive versa, resgatando a vida e oferecendo novas oportunidades para que esta seja colocada ao “centro”, retirada da “margem” da vida, como fez Jesus ao chegar naquele sábado na sinagoga e em tantos sinais que Ele realizou.

Para que a Igreja execute assim sua missão no mundo, ela precisa então planejá-la. Contudo, não basta apenas “planejar” sua ação. Os opressores, o grande capital, o sistema financeiro cruel e satânico, a indústria bélica e tantos outros órgãos que destroem a vida humana e do planeta, também planejam e, planejam muito bem suas ações nefastas. A Igreja deve se preocupar “como planejar”. Se a Igreja, enquanto comunidade dos seguidores de Jesus de Nazaré não o fizer de forma participativa, colegiada, comunitária, dentro de um espírito sinodal, exercitando sua diocesaneidade e, por sua vez, a paroquialidade que deve envolver de perto todos os agentes missionários/pastorais, presta um desserviço e se torna incompatível com o modelo de Igreja proposto pelo último Concílio (Vaticano II) e com o próprio discipulado de Cristo.

O agir pastoral da Igreja que deve ser pensado, planejado em comunhão, deve ser também rezado, pois antes de ser ação humana é ação conduzida pelo Espírito Santo. Isso é, num planejamento pastoral, não bastam as técnicas metodológicas e a eloquência dos assessores/as e todos os instrumentos e parafernálias que atualmente usamos. Num modelo eclesial participativo, de comunhão, missionário, as técnicas são apenas uma forma e o objetivo vai se alcançar com retidão de consciência, “escutando a voz de Deus”, através da oração e na contemplação de tudo o que se faz, colocando-nos ao dispor para que Ele faça em nós a Sua vontade.

Neste sentido, não dá para se fazer planejamento pastoral de uma Igreja Particular ou mesmo de uma Paróquia ou até de uma Pastoral, em meio dia, um dia ou dois, na correria e, tendo em primeiro lugar, pelos gestores, a preocupação meramente com “os gastos” que um momento deste impõe. Aliás, devemos ter clareza e consciência que ação pastoral não é gasto. É investimento. Uma Igreja verdadeiramente formada pelos seguidores e seguidoras de Jesus, o processo de formação, de evangelização, de missão é “investimento pastoral” e não mero “gasto”. Há que se preocupar, num modelo condizente com a proposta do Reino, com a formação mais do que com a estrutura e, não ao contrário, como vemos atualmente. Temos hoje “ricos templos” ornados com mármores e porcelanatos, riquíssimas alfaias, cálices e ostensórios de ouro, porém “cheios de mentes e corações vazios” que, sequer, conseguem enxergar no outro, a presença real de Jesus Cristo e ainda exercita uma aporofobia satânica e faz coro aos crápulas nazifascistas que propagam a eliminação do outro (“bandido bom é bandido morto”), de quem pensa diferente, que preferem, em vez de investir nos processos educativos a criminalizar as pessoas, as lideranças que lutam por direitos, entre outras situações que se opõem à própria fé cristã.

Com certeza, um modelo eclesial aberto à “koinonia” e à ação do Espírito Santo, o planejamento e a ação pastoral/missionária levarão em conta e, em primeiro lugar, o “evangelizar os pobres”, o “curar os cegos, os surdos, os mudos” e “libertar os oprimidos”. Isso é: o planejamento pastoral deverá levar em conta um processo missionário de evangelização, onde os pobres encontrem lugar, não apenas para a eles serem distribuídos sopões ou dadas esmolas, mas onde sejam levados em conta e estejam nos primeiros lugares da vida da Igreja de Cristo, em vista de sua LIBERTAÇÃO INTEGRAL.

Deste modo e, se assim agirmos, a ação evangelizadora da Igreja trará em si e estará sempre presente, o Pilar da Caridade, com todas as ações sociais de promoção e libertação da pessoa humana e do cuidado com a Casa Comum, na defesa da vida plena de todos. Isso implicará numa CONVERSÃO PERMANENTE E CONTÍNUA, como nos diz e recomenda a Conferência Latino-Americana de Aparecida, conformando-nos à práxis de Jesus, na consciência de que estamos sob o agir e o dinamismo do Espírito Santo.

Neste sentido, olhando a Igreja Universal, vemos a figura de Francisco, e nele, vemos com alegria o rosto desta Igreja amante dos pobres, preocupada com a vida, profética e profetisa da esperança. Vislumbramos também em algumas Igrejas Particulares mundo à fora, alguns sinais deste modelo que Francisco tem feito ecoar. Todavia, assombra-nos e deixa-nos perplexos, no geral, a percepção de uma Igreja, às vezes um tanto míope, medrosa, escondida e fechada em si mesma, preocupada mais com os ritos (suntuosos ritos que nos fazem lembrar o mundo medieval) do que com o testemunho real que provoque e gere um modo de vida parecido com o de Jesus, como expressa São Paulo na Carta aos Filipenses (“... tende em vós os mesmos sentimentos que há em Cristo Jesus...”). Em certas ocasiões, parece-nos mais amante do Direito Canônico do que da Palavra de Deus, por vezes, agindo mais como empresa do que como uma “comum-unidade” dos fiéis e seguidores/as de Jesus... Causa-nos uma sensação de tristeza, a indiferença ao sofrimento humano e o silêncio diante das assombrosas injustiças dos poderosos que agem abertamente contra a justiça e o direito dos pobres. Dói o sentimento do não profetismo (“Não deixe a profecia morrer” – D. Helder Câmara) e a aparência de que, em certas horas é mais aliada a certas classes políticas, aos ricos e poderosos, em detrimento da sua própria missão...

O sentimento real é de que, nestes atuais dias, a Igreja tem nos deixado com muitas interrogações. É preciso exercitarmos nossa coragem profética para, com caridade e amor, reconhecermos e dizermos isso, até porque fazemos parte dessa história. Nossa reflexão não é para sermos contra a Igreja, mas como cristãos reconhecermos nossas falhas, limitações e pecados e adentrarmos nesse processo contínuo de conversão que o Evangelho nos impõe. É preciso rezarmos o tempo de hoje e buscarmos nele os sinais de Deus nessa história...



Diácono Francisco Adilson da Silva
Coordenador Executivo do Serviço de Assistência Rural e Urbano-SAR
Arquidiocese de Natal

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