Por Diác. Paulo Felizola
O grande ensinamento que nos transmitem os Evangelhos diz respeito ao Reino como uma relação de igualdade e justiça, significando a libertação dos injustiçados empobrecidos e acenando para uma nova vida possível. Dessa maneira, Jesus nos mostra que essa possibilidade é viável na medida em que nos coloquemos, como ele fazia, ao lado dos pobres, vítimas de sistemas opressores. Leal a esse ensinamento o Concílio Vaticano II sentenciou que
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo.” (Gaudium et Spes n.1)
Dentre os conceitos de pobre existentes nos dicionários, encontramos o que define o pobre como aquele que aparenta ou revela pobreza. Mas, como demonstrado por Jesus, a pobreza é condição humana diante de Deus, ou seja, a
“pobreza é fome, é falta de abrigo. Pobreza é estar doente e não poder ir ao médico. Pobreza é não poder ir à escola e não saber ler. Pobreza é não ter emprego, é temer o futuro, é viver um dia de cada vez. Pobreza é perder o seu filho para uma doença trazida pela água não tratada. Pobreza é falta de poder, falta de representação e liberdade”.[i]
Dizendo de outra maneira, ser pobre é não poder se dar ao luxo de comprar o que bem entender, é não poder melhorar seu nível de bem-estar, é não poder pensar em vida mais confortável, é não poder adquirir comida, roupa, calçado, móveis, material escolar, livros, eletrodomésticos. Pior ainda, ser pobre é não poder entrar num plano de saúde, é não poder comprar um carro, reformar ou dar entrada numa casa. Ser pobre, é viver a violenta humilhação imposta pelo sistema.
No caso brasileiro, essa opressão nos é imposta pelo, principalmente pelo capital financeiro, que diante da melhoria da atividade econômica, com as consequentes redução do desemprego e do aumento na renda média da classe trabalhadora, bem como da redução da insegurança alimentar, imediatamente alegou que esse aquecimento da economia colocava em risco o controle inflacionário, o que levaria a inflação para além do teto pré-determinado Pura manobra para, sem nenhum pudor, se apropriar do aumento da renda gerada pelo crescimento da economia, através do aumento da taxa de juros, aumentando a dívida pública e o spread bancário.
Por outro lado, os corifeus dessa orquestra maligna, de imediato, já bradaram, também, que seria necessário, do ponto de vista fiscal, garantir o superavit fiscal, sem aumento de arrecadação, mas com grandes cortes nas despesas, mormente, no que diz respeito aos gastos sociais: alimento e vestuário, educação e saúde, transporte público e segurança, ou seja, aquilo de que os pobres mais necessitam. Isso sem falar nas iniciativas de combate à devastação do meio ambiente.
“Antes disso, porém, os “donos do poder” se encarregaram de pavimentar o terreno para enxugar ao mínimo possível os direitos trabalhistas” tão laboriosamente adquiridos. Não é sem razão que certas expressões, tais como reformas trabalhistas, flexibilização legislativa, terceirização e uberização de determinados serviços soam como verdadeiros palavrões no mundo do trabalho. Com efeito, tem sido essa a fórmula de jogar sobre os ombros da classe trabalhadora todo o ônus das repetidas crises das últimas décadas, ao passo que o bônus é drenado para contas bancárias inchadas de tantos rendimentos. Dessa forma, a base da pirâmide social paga duplamente: ao ter seus direitos reconvertidos em mercadoria, a qual deve ser comprada pelo próprio cidadão, por um lado, e, por outro, ao ser abandonada por parte do governo que, por sua vez, vê-se refém dessa lógica perversa, exclusiva e concentracionista.[ii]
Essa lógica perversa, exclusiva e concentracionista não é apenas a forma de jogar sobre os ombros da classe trabalhadora todo o ônus das repetidas “crises” e, por outro lado, fazer drenar o bônus para contas bancárias inchadas de tantos rendimentos. Essa é lógica do empobrecimento de homens e mulheres de nossos dias, é a verdadeira máquina de produzir e oprimir pobres. Portanto, assim como fez Jesus, que não apenas confortou os pobres, mas que, com coragem, determinação e fidelidade ao Pai, combateu todo o sistema político/religiosa que empobrecia e escravizava homens e mulheres de seu tempo, é preciso que não nos acomodemos, mas, com fidelidade ao evangelho e à Igreja, denunciemos e combatamos essa ideologia até que os soberbos sejam dispersos, os poderosos sejam derrubados de seus tronos e os humildes sejam elevados; até que os famintos sejam fartos e os ricos sejam despedidos de mãos vazias.[iii]
[i] CRESPO, A. P. A. e GUROVITZ, E “A pobreza como um fenômeno multidimensional”. Disponível em https://www.scielo.br/j/raeel/a/LVPkw9yHZfJ9kvjC8VSgTsh/?format=pdf&lang=pt#:~:text=A%20pobreza%20%C3%A9%20definida%2C%20geralmente,fome%20e%20%C3%A0%20priva%C3%A7%C3%A3o%20f%C3%ADsica.
[ii]. GONÇALVES, A. J. “Pobres e imigrantes atrapalham a economia”. Disponível em www.ihu.unisinos.br/categorias/644987-pobres-e-imigrantes-atrapalham-a-economia-artigo-de-pe-alfredo-j-goncalves
Diácono Paulo Felizola de Araújo
Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta(RN)
Arquidiocese de Natal
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