O Sínodo arquidiocesano já está operando um grande milagre em nossa Igreja Local: o da linguagem e o do estilo sinodais em todas as suas instâncias. Ainda não está como o esperado; mas estão sendo dados passos significativos. Temos percebido um amplo processo de escuta, que deve nos levar ao discernimento eclesial. Mesmo que a finalidade seja à da atualização dos nossos diretórios - pastoral, administrativo, litúrgico e sacramental - sem dúvida, muitas demandas nos serão legitimamente postas. Precisaremos de abertura às moções do Espírito para não trairmos os anseios do Povo fiel de Deus. O documento final do Sínodo sobre a sinodalidade nos oferece orientações que devem ser recepcionadas com seriedade e sem a marca pré-moderna do clericalismo eclesiástico e de barroquismo teológico, que ainda perpassam as mentes, tanto dos fiéis leigos, como mais fortemente numa parcela dos ministros ordenados.
Antes de nos apropriarmos dos conceitos postos pelas reflexões magisteriais sobre a sinodalidade, precisamos ‘inteligir’ o seu espírito, os seus horizontes e as suas perspectivas de implementações contextuais. Esse espírito encontra “na sabedoria evangélica, que permitiu à comunidade apostólica de Jerusalém selar o resultado do primeiro evento sinodal com as palavras: ‘decidimos, o Espírito Santo e nós’” (cf. At 15,28), a sua razão de ser e o seu fundamento teológico. Ainda afirma o documento que “é o discernimento que podemos qualificar de ‘eclesial’, exercido pelo Povo de Deus em vista da missão” (cf. DF, 81). Essa é a conversão dos processos que precisamos tornar presente em nossa condição cristã e testemunhá-la na nossa conjuntura eclesial e social.
A Arquidiocese de Natal, depois do projeto das Santas Missas Populares, que foram tratadas com indiferença e relegadas ao esquecimento com o passar do tempo, tinha ficado como que desnorteada e sem uma linguagem comum, uma narrativa, que deve ter sempre a “Alegria do Evangelho” por fundamento e, graças a algumas interpelações, volta a refletir mais densamente sobre a sua caminhada sinodal e missionária. O Sínodo já está fazendo com que nos quatro recantos da nossa Igreja Local os sujeitos eclesiais estejam encontrando-se para rezar e discutir sobre a vida da Igreja e os seus desafios à ação evangelizadora. Isso já é uma grande conquista do Sínodo. Claro que temos a obrigação de ficar atentos para não fazer deste acontecimento mais um pipocar de reuniões pastorais.
As assembleias sinodais são um chamamento para tratarmos os nossos problemas estruturais e alternativas que deveras nos lancem às periferias geográficas e existenciais da nossa conjuntura eclesial e social, com paixão e desejo de anunciar o Reino de Deus às pessoas. O Sínodo é mais do que uma grande assembleia: é um evento que pode trazer muitas luzes ao modo com o qual podemos ler com mais realismo e clarividência o espírito da história. Neste sentido, uma atenção à centralidade das pessoas, seus dramas e situações econômicas, sociais e planetárias que têm seus reflexos aqui e agora, com tantos sinais da negação do projeto salvífico de Jesus Cristo para todas as suas criaturas.
A linguagem sinodal é consequência de uma espiritualidade de comunhão, que é o reflexo da relação trinitária e tornada visível, especialmente, na celebração da Santíssima Eucaristia. No mistério celebrado há a forma do que a Igreja é chamada a ser, tanto internamente, e, também, como mensagem profética para o mundo. Esse anúncio é autêntico se for evangélico, e não refém de ideologias. Ele transforma se tiver o conteúdo que é a pessoa de Jesus Cristo, que conclama a todos para que “convertam-se e acreditem no Evangelho, pois o Reino de Deus está próximo” (cf. Mc 1,14-15).
Essa acolhida mística e extasiante nos colocará de “olhos abertos” para “um tal discernimento que se serve de todos os dons de sabedoria que o Senhor distribui na Igreja e se enraíza no sensus fidei comunicado pelo Espírito a todos os batizados. É neste sentido que a vida da Igreja sinodal e missionária deve ser entendida e reorientada” (cf. DF, 81). A Igreja de Natal está tendo essa oportunidade. Sairemos mais amadurecidos e com uma capacidade contemplativa mais aguçada para o discernimento eclesial, que não é uma técnica organizativa, mas uma prática espiritual a ser vivida na fé” (cf. DF, 82). Não podemos pensar o Sínodo só como mais uma prática burocrática e fria, sem rosto e sem nome; massificada e alienante; sem compaixão e clericalista; mas, antes de tudo, como um lugar teológico no qual o Espírito quer dizer à nossa Igreja como fazer acontecer a sua missão em nossos tempos (cf. Ap 2,7).
Na única linguagem do Espírito há espaço para a unidade nas diferenças (cf. 1cor 12-14). Nela as virtudes teologais nos mostram qual seja a vontade de Deus, sem a negação da nossa liberdade. O Sínodo, para gerar comunhão e participação, tem que estar plenificado pelo amor, que não passa. O mesmo amor que é experimentado na Eucaristia e testemunhado no serviço aos irmãos (cf. Jo 13). A Igreja não pode ceder à tentação do poder, das maquinações e das desconstruções da dignidade dos que fazem parte das nossas comunidades. O Sínodo é caminhada conjunta e de mãos dadas.
É uma experiência pericorética. O “discernimento eclesial é, ao mesmo tempo, condição e expressão privilegiada da sinodalidade, na qual se vive em conjunto a comunhão, a missão e a participação. Quanto mais todos forem ouvidos, mais rico será o discernimento. Por isso, é fundamental promover uma ampla participação nos processos de escuta, com particular atenção ao envolvimento dos que estão à margem da comunidade cristã e da sociedade” (cf. DF, 82). A Igreja de Natal precisa ser educada a viver e a favorecer a corresponsabilidade batismal.
Temos muitas atividades e pouca escuta; muita atividade e pouca formação para o amadurecimento do discipulado missionário. Fazemos muitas coisas, mas nos falta qualidade. Estamos com a amnésia do Único Necessário (cf. Lc 10, 40-42). Há muita ação e pouca contemplação. Sem essa última, perdemos a medula do corpo. O pressuposto epistemológico da pastoralidade eclesial é o de que do “ser segue o agir”. Conhecemos a árvore pelos seus frutos (cf. Lc 6, 44). A tensão para a esperançosa passagem de uma pastoral de conservação àquela missionária precisa ser buscada, assumida e reconhecida como urgentíssima.
O nosso norte pastoral necessita dessa inserção na vida do Espírito. Aqui reforço a ideia de que a oração, o estudo e a ação são tesouros que precisam ser conquistados e cultivados continuamente. Tenho a impressão que o mundanismo espiritual encontra morada num coração, numa mente e num corpo que renegam a integralidade destas dimensões antropológicas e cristãs. Só reza quem ama e confia em Deus; só estuda quem reconhece, humildemente, que nada sabe; e só age quem tem coragem de ousar lançar às redes, em obediência à palavra do Senhor (cf. Jo 21, 6).
A nossa única linguagem, nas diferenças poliedricas, discursivas e pastorais, passará por estas vias para que possa chegar à consecução da sinodalidade. Não é em vão que o primeiro passo do processo sinodal é o da escuta. Somos chamados a sentir com, agir com e converter às nossas relações: a Deus, ao outro e em harmonia com a nossa própria condição humana. A questão sempre nos levará ao profundamente humano, que só em Deus encontrará a Verdade sobre si mesmo. Diria que seremos evocados a perceber que a fragmentação existencial, que tomou corpo na cultura hipermoderna, também nos será exposta se levarmos o Sínodo às suas raízes antropológicas, sem ficarmos nas superfícies ativistas.
Enfim, a linguagem comum proporcionada pelas partilhas, diálogos e reflexões nos conselhos, pastorais, movimentos e pequenas comunidades, pode ganhar uma amplitude maior e nos levar à ousadia missionária. Não deixemos que nos arranquem essa qualidade constitutiva da Igreja. É neste espaço e neste tempo que somos chamados a fazer acontecer a Igreja de Jesus Cristo. É vivendo a diocesaneidade.
Nunca é demais recordar as palavras do Papa Paulo VI: “nós queremos confirmar, uma vez mais ainda, que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja; tarefa e missão, que as amplas e profundas mudanças da sociedade atual tornam ainda mais urgentes. Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição” (cf. EN, 14).
O Sínodo tem nos provocado a repensarmos os caminhos desde sempre percorridos e poderá nos levar a reformas orgânicas e metodológicas, sempre como sinal de uma profunda conversão interior ao Evangelho. Assim o seja!