Quando a vida fala mais do que as palavras, estas se calam, tornam-se frágeis e, por fim, repousam como morada silenciosa do mistério. Há sentimentos que escapam às malhas da linguagem. Por mais refinada que seja a expressão, há instantes em que a alma experimenta algo que não cabe em palavras, como se toda tentativa de descrever fosse uma traição ao vivido. Nesse espaço de silêncio, recordo de um poeta que, em tom místico, exclamou: “só sentir e viver”! Simples e carregada de poesia, a frase traduzia, à sua maneira, o indizível e a experiência pura do existir.
A filosofia, a poesia e os místicos, cada qual a seu modo, tocaram esse mistério. Ludwig Wittgenstein, ao final do seu Tractatus Logico-Philosophicus, escreveu: “Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar”. Esse silêncio, porém, não é vazio; ao contrário, é o espaço em que o vivido se abre e a experiência se oferece na inteireza do ser. O indizível não é ausência, mas plenitude, um transbordar que ultrapassa os limites da linguagem.
Do mesmo modo, Fernando Pessoa, em um de seus fragmentos, observou: “Sentir é estar distraído” (Se eu morrer. In: Poemas Inconjuntos). Ele percebia que sentir não se resume a analisar ou racionalizar, mas a mergulhar no instante com uma espécie de inocência. Quando tentamos traduzir em conceitos o que é puro sentir, o momento já nos escapou.
O aforismo “só sentir e viver” é, no fundo, um convite a não se perder na busca de explicações intermináveis, mas a deixar-se conduzir pelo próprio fluxo da vida. Não se trata de desprezar o pensamento, mas de reconhecer que existem momentos em que o viver é mais verdadeiro do que o descrever.
O poeta Rainer Maria Rilke, em Cartas a um jovem poeta (Carta Quatro), aconselhava: “Você é tão jovem ainda, está diante de todos os inícios, e por isso gostaria de lhe pedir, caro Senhor, que tenha paciência quanto a tudo o que está ainda por resolver no seu coração e que tente amar as próprias perguntas como se fossem salas fechadas ou livros escritos numa língua muito diferente das que conhecemos. Não procure agora respostas que não lhe podem ser dadas porque ainda não as pode viver. E tudo tem de ser vivido. Viva agora as perguntas. Aos poucos, sem o notar, talvez dê por si um dia, num futuro distante, a viver dentro da resposta. Talvez traga em si a possibilidade de criar e de dar forma e talvez venha a senti-la como uma forma de vida particularmente pura e bem-aventurada.”
Nessa citação, o verbo central é “viver”, não “explicar”. A vida amadurece no compasso do sentir, não na pressa de compreender. O pensamento de Rilke convida a mudar o olhar diante das incertezas: em vez de tratar as perguntas como incômodos, é mais sábio acolhê-las como companheiras de jornada. O essencial não é obter logo uma resposta, mas permitir que a vida, em seu ritmo próprio, amadureça dentro de nós. Assim, as respostas não surgem de modo repentino ou definitivo, mas se revelam, silenciosas, no tecido do viver.
A máxima “só sentir e viver” aponta para uma sabedoria simples e profunda: a vida não é um enigma a ser decifrado, mas um dom a ser acolhido. Como ensina o Senhor: “A cada dia basta o seu cuidado” (Mt 6,34). O instante, quando vivido em plenitude, já é uma revelação.
E talvez seja isso o que nos falta em tempos de pressa e de papéis sociais acumulados: reaprender a sentir, sem necessidade de justificar, e viver, sem o peso de uma utilidade imediata. O aforismo, dito de modo casual em um contexto banal, guarda a força das máximas que atravessam gerações. Como toda grande intuição, ele nos lembra que o essencial da vida não se encerra em palavras, mas se cumpre em gestos, silêncios, lágrimas, sorrisos e encontros. Em síntese, diante de experiências indizíveis, o melhor comentário é sempre o mesmo: só sentir e viver!

