domingo, 19 de outubro de 2025

Os Braços Cansados da Democracia (Diác. Edson Araújo)


Uma crônica sobre perseverança, justiça e o peso de sustentar a esperança

Há uma imagem poderosa na primeira leitura deste domingo que deveria estar estampada nas paredes de todos os parlamentos: Moisés no alto do monte, braços erguidos, sustentado por Aarão e Hur. Enquanto seus braços permaneciam levantados, o povo vencia a batalha. Quando o cansaço os fazia cair, a derrota se aproximava. Foi preciso que dois homens se sentassem ao lado do líder e segurassem seus braços até o pôr do sol.

Esta não é apenas uma história antiga de guerra. É a radiografia perfeita de qualquer processo democrático.

O Cansaço do Povo: vivemos tempos em que a fadiga política se tornou epidemia. O cidadão comum acorda todos os dias com a sensação de estar sustentando braços pesados: o braço da justiça que tarda, o braço da educação que não alcança, o braço da saúde que falha, o braço da segurança que vacila. E ao contrário de Aarão e Hur, que tinham uma pedra para sentar, o povo brasileiro sustenta tudo isso em pé, na fila do hospital, no trânsito caótico, na escola sucateada.

A tentação é óbvia: soltar os braços. Deixar cair. Desistir. Entregar-se ao cinismo que diz que "político é tudo igual", que "não adianta nada votar", que "o sistema está todo corrompido mesmo". É o cansaço falando mais alto que a esperança.

A Viúva Insistente e as Portas do Poder: mas aí entra a segunda imagem do dia: a viúva que não desiste. Ela não tem dinheiro, não tem conexões, não tem acesso aos corredores do poder. Só tem uma coisa: persistência. E ela bate, bate, bate na porta do juiz iníquo até conseguir justiça.

Jesus não está ingênuo nesta parábola. Ele sabe que o juiz "não temia a Deus nem respeitava homem algum". É o retrato do político corrupto, do magistrado comprado, do servidor público que esqueceu que é servidor. E mesmo assim, Jesus não diz: "desista, o sistema está podre". Ele diz: "insista, porque até os injustos cedem diante da persistência".

Quantas vezes vemos isso nas ruas brasileiras? Mães que perdem filhos para a violência policial e transformam a dor em movimento. Indígenas que marcham quilômetros para defender um palmo de terra. Professores que fazem greve sabendo que o salário já está apertado. Cientistas que continuam pesquisando mesmo com orçamento ridículo. Jornalistas que denunciam mesmo sob ameaça.

São as viúvas contemporâneas, batendo nas portas do Congresso, dos tribunais, dos palácios. E sim, muitas vezes o juiz só atende porque "ela me importuna". Que seja. Vitória é vitória, mesmo que venha da exaustão do opressor e não de sua conversão.

Oportuna e Inoportunamente: Paulo escreve a Timóteo com uma ordem que todo democrata deveria tatuar no peito: proclamar a palavra "oportuna e inoportunamente". Traduzindo para o vocabulário político: falar a verdade quando convém e quando não convém. Denunciar o abuso quando seu partido está no poder e quando está na oposição. Defender direitos humanos quando a vítima é do seu grupo e quando é do grupo adversário.

É o que mais falta na política brasileira: coerência inoportuna. Sobra-nos coerência oportunista, aquela que só enxerga corrupção no adversário, que só vê autoritarismo no outro lado, que só denuncia privilégios quando não é beneficiária deles.

A liturgia nos convida a ser chatos. Importunos. Inconvenientes. Como a viúva. Como Paulo mandando Timóteo "repreender, ameaçar, exortar com toda paciência". Paciência não é silêncio, é persistência educada. É bater na porta mil vezes sem quebrar a porta, mas também sem parar de bater.

De Onde Virá o Socorro? "Levanto os olhos para os montes, de onde me virá o socorro?", pergunta o salmista. É a pergunta que milhões de brasileiros fazem ao acordar. De onde virá a solução? De Brasília? De algum líder salvador? De um partido messias?

A resposta do salmo é teológica, mas tem aplicação política brutal: o socorro vem "daquele que fez o céu e a terra". Ou seja, de uma força maior que qualquer projeto pessoal, maior que qualquer sigla partidária. Vem de valores que transcendem eleições: justiça, dignidade, verdade, compaixão.

Nenhum político deveria se ver como o salvador. Todo político deveria se ver como Moisés: braços erguidos, sim, mas sustentado pelo povo. E o povo, por sua vez, precisa lembrar que não pode largar os braços do líder e depois reclamar da derrota. Democracia é participação ativa, não terceirização de esperanças.

O Pôr do Sol da Batalha: a batalha terminou ao pôr do sol. Moisés não ficou sozinho, e por isso venceu. A viúva não desistiu, e por isso alcançou justiça. Paulo não se calou diante do poder, e por isso a mensagem atravessou séculos.

A crônica destas leituras é simples e devastadora: a democracia não funciona com braços caídos nem vozes silenciadas. Ela exige o cansaço de sustentar, a teimosia de insistir, a coragem de incomodar.

Então, antes de ceder ao cinismo, antes de dizer que "não adianta", lembre-se: até o juiz iníquo cedeu. Até Amalec foi derrotado. Mas só porque houve quem não soltasse os braços e quem não parasse de bater à porta.

A pergunta que fica neste domingo é para cada um de nós: você é Aarão ou Hur, sustentando os braços pesados? É a viúva, batendo na porta? Ou já soltou tudo e está assistindo a batalha de longe?

Porque, no fim, a vitória ou a derrota depende desta escolha. E a liturgia nos lembra: Deus socorre, sim, mas socorre quem não deixa de lutar.

"Quando, porém, vier o Filho do Homem, será que encontrará fé sobre a terra?" (Lc 18,8)

A pergunta de Jesus ecoa como um desafio para nossa democracia: quando chegar o tempo da prestação de contas, haverá quem ainda acredite que vale a pena lutar?


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