domingo, 28 de setembro de 2025

Os Lázaros Ignorados: o problema não é ser rico, mas a indiferença ao sofrimento alheio (Diác. Edson Araújo)

Na mesma semana em que a liturgia nos convida a enxergar os "Lázaros" à nossa porta, os líderes mundiais se reuniram no edifício de vidro às margens do East River, em Nova York, para a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Como num espelho distorcido da parábola, vimos ricos e poderosos banqueteando-se com palavras, enquanto milhões de "Lázaros" contemporaneos seguem cobertos pelas feridas da guerra, da fome e da indiferença.

Donald Trump, em seu retorno triunfal ao palco mundial, ofereceu talvez a performance mais emblemática dessa dinâmica. Durante quase uma hora, o presidente americano elogiou a própria administração, atacou a ONU por uma escada rolante quebrada e declarou que os países europeus "estão indo para o inferno". Suas palavras ecoaram pelo salão quase vazio, pois, muitos delegados haviam se retirado, numa metáfora involuntária do isolamento dos poderosos.

Trump criticou duramente a Europa por sua "farsa da energia verde" e por acolher imigrantes, revelando uma visão de mundo onde a preservação do patrimônio cultural supera a compaixão pelos que sofrem. "Eu amo a Europa", declarou, "e odeio vê-la sendo devastada pela energia e imigração". É como se dissesse: "Que se virem com suas próprias migalhas".

Por outro lado, minutos anes do líder estadunidense discursar, e num contraste gritante, Lula abriu os trabalhos com um discurso que ecoava as palavras do profeta Amós. "A única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza", proclamou o presidente brasileiro, lembrando que enquanto milhões e milhões de pessoas passam fome, o mundo gasta trilhões em armamentos.

O governante do Brasil denunciou com veemência o que chamou de "genocídio em curso em Gaza", afirmando que "ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes". Suas palavras fizeram eco às do salmista: "Ele faz justiça aos oprimidos, dá pão aos famintos, liberta os cativos".

Tivemos também o discurso do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que trouxe a realidade crua da guerra para o plenário: "Não temos escolha senão lutar". Alertou sobre "a corrida armamentista mais destrutiva da História" e denunciou que "o direito internacional só funciona se um país tiver amigos poderosos". Sua fala revelou a amarga verdade de nosso tempo: a de que Lázaros de alguns países importam mais que os de outros.

O momento mais revelador da semana foi quando Benjamin Netanyahu subiu a tribuna e antes mesmo que começasse a falar, dezenas de delegações, incluindo a brasileira, se retiraram em protesto. O primeiro-ministro israelense falou para um salão praticamente vazio, negando acusações de genocídio e prometendo "terminar o serviço" em Gaza.

A cena era profundamente simbólica: um líder falando sozinho, aplaudido apenas por um pequeno grupo na galeria, enquanto o mundo literalmente lhe dava as costas. Era como se o rico da parábola, mesmo após a morte, continuasse tentando justificar sua indiferença.

Biden, em seu discurso de despedida, uma vez que seria o último ano a frente da Casa Branca, ainda no ano passado, pediu cessar-fogo e defendeu a democracia, mas suas palavras soaram como o eco distante de uma era que se encerrava. Enquanto isso, líderes como o iraniano e outros representantes de nações em conflito disputavam narrativas numa cacofonia que abafava o grito dos que realmente sofrem.

A Assembleia revelou um mundo cada vez mais dividido entre os que festejam em palácios de marfim digital e os que mendigam migalhas de atenção internacional. Trump e Netanyahu representaram o extremo da indiferença institucionalizada; Lula e outros líderes do Sul Global tentaram ser a consciência moral de um sistema em colapso.

Como na parábola de Jesus, os papéis se inverteram simbolicamente durante a semana. Enquanto as potências tradicionais se isolavam em seus discursos nacionalistas, as vozes do Sul Global ganharam protagonismo moral. O Brasil, que tradicionalmente abre os trabalhos da Assembleia, assumiu o papel de denunciante profético, enquanto os Estados Unidos e Israel se viam cada vez mais isolados.

A Assembleia da ONU de 2025 ficará na história como um momento de revelação: mostrou que vivemos numa época em que os poderosos se banqueteiam com a retórica de que "seu país está indo para o inferno", enquanto milhões de Lázaros reais, entre eles, destaco principalmente os palestinos, ucranianos, haitianos, africanos famintos, como também, alguns brasileiros, continuam sendo ignorados.

As palavras de São Paulo a Timóteo ressoaram ironicamente pelos corredores da ONU: "Fugi da ganância e buscai a justiça, a piedade, a fé, o amor". Mas quantos líderes realmente escutaram? Quantos enxergaram os Lázaros digitais, refugiados climáticos, vítimas de guerras esquecidas, populações em fome extrema?

A liturgia desta semana nos lembra que "o rico não é condenado por ser rico, mas por ser indiferente". Na ONU, vimos essa indiferença institucionalizada em tempo real: líderes que falam de soberania nacional enquanto ignoram sofrimentos globais, que defendem fronteiras enquanto fecham os olhos para quem precisa cruzá-las para sobreviver.

Assim como na parábola, quando finalmente despertarem, talvez seja tarde demais. Mas ainda há tempo, e é este o convite da liturgia e da política: abrir os olhos, enxergar os Lázaros à nossa porta, e agir antes que a História nos julgue como cúmplices de uma indiferença ensurdecedora.

Quando será que os nossos governantes buscarão fazer aquilo que se propuseram quando eleitos pelo povo? Esta pergunta retórica ecoa pelos corredores vazios da ONU, onde líderes eleitos para servir seus povos muitas vezes servem apenas a si mesmos, perpetuando um sistema onde a compaixão é opcional e a justiça, negociável.

NOTÍCIAS DA COMISSÃO DIACONAL

NOTÍCIAS DA ARQUIDIOCESE DE NATAL

NOTÍCIAS DA CNBB

NOTÍCIAS DO VATICANO