As nossas causas devem nos mover. As nossas utopias, sonhos, projetos e esperanças precisam ser a força e o ânimo das nossas ações. Quem tem uma causa é forte, tem confiança e faz história. Não para diante dos desafios e busca caminhos de superação. Todo e qualquer ser humano é chamado a ter uma causa. Quando a tem, assume protagonismo; torna-se capaz de ser sujeito da sua forma de estar no mundo. Não entrega-se ao infantilismo e às etapas diferenciadas da própria vida.
Não perde o sentido de ser pessoa e lutar para construir o melhor dos mundos possíveis de viver. O que sonhamos é o que queremos como projeto de vida e de civilização. Enquanto sujeitos, temos essa complexa e humana tarefa. A nossa caminhada e trajetória existenciais são desejosas destas realizações. Diríamos que as nossas causas é o que dão significado ao conjunto da linguagem da vida, com suas muitas manifestações e fenômeno. As nossas prospetivas devem fazer com que enxerguemos o além do imediato, do efêmero e do condicionado pelas banalidades dos nossos tempos.
Entre a ideia de causalidade e a de espiritualidade há relação de complemento. O que buscamos com a espiritualidade é o sentido do porquê busco algo mais do que o imediato. Desejo religar-me com um Outro eu. Quero reconciliação com as verdades sobre as quais não tenho domínio. Quando projeto minhas causas, sei que mesmo não ainda realizado, outrossim, posso ‘esperançar’. Nessa linha conectiva, o teólogo José M. Castillo afirma que a espiritualidade cristã necessita de ‘utopia’. Segundo ele, “a espiritualidade cristã não pode ser vivida senão a partir de uma verdadeira paixão pela utopia, de modo que esta deve ser o motor de toda pessoa que pretende levar a sério a espiritualidade que brota do Evangelho” (cf. Espiritualidade para insatisfeitos, Paulus, pág. 10).
Podemos perceber aqui uma relação que o teólogo faz entre utopia e causa. Contudo, a partir das outras possibilidades de uso do significado deste ‘não lugar’, eu prefiro a simbiose entre “causa e esperança”. O magistério mais recente dos sumos pontífices, Bento e Francisco, pode nos situar numa abordagem com viés puramente teológico. Na Spes Salvi, o Papa alemão nos presenteou com a reflexão sobre a virtude teologal da Esperança. Na linha do que é ensinado na carta aos Efésios, Bento afirmou que “chegar a conhecer Deus, o verdadeiro Deus: isto significa receber esperança” (cf. Spe Salvi, 3). Causa e esperança estão interligadas. Quem tem causas, existencialmente vive de esperança.
Na atualidade, também é construida a ideia de que precisamos de “projetos de vida”. Essa autossuficiência da construção da própria história é importante; contudo, nos leva ao risco de nos tornarmos reféns da “tirania do êxito”. Isso é típico da “sociedade do cansaço” (cf. Byung- Chul Han). Passamos a ser consumidores de nós mesmos. A sindrome de burnout nos algema e tira a nossa integração interior e social. Nos voltamos ao individualismo que renega e expulsa o outro; o ser com o outro e viver a beleza da comunidade.
O que poderia ser o modo de ser da nossa existência na relação com os outros, transforma-se numa busca neurótica e insana de preenchimento consumista e doentio. No contemporâneo, temos que discernir se as nossas causas nos colocam em situação de contemplar a face do outro, com a sua história e o seu nome. O projeto de vida é importante, mas deve existir a preocupação de termos presente que somos sujeitos sociais e, quando há a fé, também somos abertos ao transcendente. Há momentos nos quais o que pensamos para nossa realização toma outros caminhos. Ainda, somos abertos à Divina Providência, quando a nossa experiência de fé nos faz perceber que, nem sempre, os nossos planos são os de Deus.
A existência cristã necessita de causas. Uma de modo específico deve permear o nosso estilo de vida: A causa do Reino de Deus. A nossa meta é a conversão ao que é próprio deste Reino. Nele, a paz e a justiça se abraçarão. O objeto da nossa forma de ser e de agir é a desta realidade escatológica, que é sempre contemporânea. Cada batizado tem que assumir esta condição no tempo e no espaço. Eis o sentido da nossa vocação à vida cristã. Há uma razoabilidade presente e futura do que esta mensagem significa. Vivemos esta causa, tendo em vista o ‘aqui e agora’; mas com a capacidade contemplativa ao que é do futuro, como uma plenificação da condição humana a ser buscada cotidianamente. É nesse aspecto antropológico e teológico que está radicado o “existencialismo cristão”. Esse está sempre eivado de esperança. No ano em que celebramos o jubileu da Esperança, precisamos assumir propósitos lúcidos, clarividentes e promotores do amor e da justiça. Essas são causas nobres, pautadas em valores do Reino de Deus.
O humano hipermoderno tem perdido essa sensibilidade para sonhar. A crise de fé tem gerado ‘desesperos’ e atrofias existenciais. A perda do olhar às possibilidades da vida, à luz de um tempo qualificado, nos tem colocado em situações de risco, desilusões e da capacidade de pensar coisas grandes. Os nossos projetos são egoístas e alienantes das nossas subjetividades. Nos tornamos objetos de consumo e prazeres que geram neuroses, frustrações e vazios antropológicos. Quiçá, esteja neste ponto o drama do humanismo ateu pós-moderno: Ele não sabe o que fazer com o que ele criou.
A ‘morte de deus’ trás consigo o sufocamento também do humano. Na fronteira da sua racionalidade está também o questionamento permanente acerca das causas últimas da vida. O fato de ter negado a sua Verdade, não fez com que elas deixassem de ser e estar enxertadas na história humana. O projetar causas pelas quais lutar é um caminho que quem é plenamente humano não pode deixar de ter e buscar. As nossas causas testificam que a nossa vida deve ter sentido, não só transcendental, como também social e político.
Por fim, essa reflexão é fruto do que percebo a partir do meu lugar de fala; pessoal, eclesial e social. O meu mundo e os sinais presentes nele fazem-me um contemplativo da história. O foco em questão é uma provocação acerca da causa que cada um de nós precisa ter. Como seres humanos, cristãos, sujeitos eclesiais e políticos. É desumano não ter causas. Não tê-las nos tira a condição de protagonistas e nos leva à de objetos do mercado, das estruturas que degradam o humano e ferem a nossa dignidade de filhos de Deus.
Não posso concluir sem deixar essas perguntas: Qual é a sua causa? Quais são as nossas causas? O Papa Francisco afirmou que “o homem contemporâneo encontra-se com frequência transtornado, dividido, quase privado de um principio interior que crie unidade e harmonia no seu ser e no seu agir. Modelos de comportamento, infelizmente bastante difundidos, exaltam a sua dimensão racional-tecnológica, ou, ao contrário, a instintiva. Falta o coração” (cf. Dilexit nos, 9). Por isso, num mundo de tantas confusões antropológicas, a certeza de termos causas pelas quais lutar e dar a vida, é o que nos garante uma existência cheia de sentido e alegria de viver. Assim o seja!