quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

No artigo desta semana, Pe. João Medeiros fala sobre a solidão povoada

A solidão povoada


Pe. João Medeiros Filho
Um dos grandes desafios de nossos dias consiste em superar a insensibilidade social. É verdade que as tecnologias modernas favorecem a aproximação. Entretanto, apresentam um efeito adverso. Por exemplo: em casa, nos restaurantes, ônibus, consultórios etc. contam-se nos dedos aqueles que conversam com quem está ao lado. O contato é cada vez mais digitalizado ou por mensagem de voz. Há sinais evidentes de contradição. Verifica-se grande solidariedade pelas vítimas de catástrofes nacionais ou internacionais, mas ignora-se o pobre de mão estendida, que bate na janela do carro, suplicando uma ajuda. Há uma comoção pelos atingidos em desastres e acidentes, divulgados pela mídia. Porém, o mesmo não acontece diante do sofrimento daqueles que povoam os corredores e filas dos hospitais públicos de nossas cidades. Por vezes, fica-se anestesiado diante da dor tão próxima, mas sensível e solidário com o infortúnio distante. Apresentam-se várias justificativas para a indiferença ou ausência.

Nos dias de hoje, morar na mesma cidade, bairro, rua ou prédio não garante infelizmente uma convivência atenciosa entre as pessoas. É comum os vizinhos do mesmo edifício ou condomínio serem desconhecidos. Muitos experimentam o que se denomina solidão povoada. Vive-se sozinho, apesar de cercado de pessoas por todos os lados. As novas possibilidades suscitadas com o avião, telefone, internet e as redes sociais não conseguiram destruir as lógicas e dinâmicas que criam desencontros, exclusões, indiferença e até violência.

Não se pode negar que uma convivência tranquila entre os seres humanos é salutar. Cristo pressentiu essa terrível solidão e prometeu a sua companhia: “Não vos deixarei órfãos [sozinhos]... estarei convosco todos os dias” (Jo 14, 18). Vive-se paradoxalmente a civilização da distância, insensibilidade e solidão. A indiferença pode gerar antipatia, desrespeito e até agressividade. Isto mostra que o mundo não compreendeu ainda a mensagem de fraternidade e amor de Deus feito homem. É um direito de todos serem acolhidos com atenção, respeito e reconhecidos em sua dignidade. As criaturas sentem necessidade de ser bem tratadas, ouvidas, amparadas em suas necessidades, abraçadas e amadas. É preciso descobrir no Evangelho a ternura e a compaixão de Cristo pelos desvalidos, carentes, excluídos e enfermos. Infelizmente, não é isso o que predomina atualmente nas relações humanas e sociais. Constatam-se cada vez mais práticas e posturas individualistas, excludentes e uma tendência à globalização da indiferença social. Dom Helder Câmara exclamou em um de seus programas, na Rádio Olinda: “Somos ainda pagãos. Fomos batizados apenas no corpo, mas não na mente. É preciso batizar as regiões pagãs de nossa alma.”

Compartilhar o amor é a energia mais poderosa no processo de humanização. Por isso, Jesus ensinou: “Amai-vos uns aos outros... Nisto conhecereis que sois meus discípulos” (Jo 13, 34-35). Santa Dulce dos Pobres também afirmou: “O mundo necessita mais de amor e atenção do que de pão.” Deus concedeu ao homem a liberdade. Mas, é preciso lembrar que ela não elimina nossa ambivalência. Assim, ter-se-á sempre a possibilidade de amar ou odiar, ajudar ou dificultar, repartir ou reter, ser generoso ou egoísta. Esta condição pede vigilância e discernimento nas escolhas. O ser humano paulatinamente passou a ser coisificado e reduzido a mero consumidor. E como consumir exige ter dinheiro, este passou a ser cobiçado, tornando-se a pérola preciosa a ser buscada e disputada por todos. É lamentável, mas na sociedade hodierna, quem não tem dinheiro vale pouco. A vida passou a ser regida por ganhar e acumular, e não respeitar e amar. Aí reside uma parte significativa da cultura da insensibilidade social. Poucos se indignam e reagem ainda diante da injustiça e exclusão. Nem mesmo os governantes, escolhidos e pagos para lutar contra essa realidade. É preciso pensar no poder do amor e na força da solidariedade, que suscitam entusiasmo e transformações culturais e sociais. Nisto está a grandeza da obra de Francisco de Assis, Tereza de Calcutá, Padre João Maria, Padre Ibiapina e tantos outros que concretizaram mudanças sociais em seu tempo e contexto. Eis o conselho do apóstolo Paulo: “Vesti-vos com os sentimentos de compaixão, bondade, mansidão, humildade e paciência. Ajudai-vos uns aos outros” (Col 13, 3).

Pe. João Medeiros Filho é padre da Arquidiocese de Natal e semanalmente escreve nesta coluna

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