A humildade tão esquecida
Pe. João Medeiros Filho Arquidiocese de Natal |
Jesus era dotado de profunda visão psicológica e pedagógica. Uma de suas missões, como nosso Salvador, consistia em ensinar ao homem como atingir a maturidade, o equilíbrio e, por conseguinte, a sua realização. Por isso, proclamava: “Todo aquele que se exaltar será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 14, 11). Raciocínio lógico e coerente. Quem não coloca os pés no chão, provavelmente cairá. Falta-lhe apoio. Ao contrário, quem está com eles firmes no solo, raramente sofrerá queda. O profeta Isaías coloca nos lábios do Todo-Poderoso: “Eu moro nas alturas, mas também habito no coração contrito e humilde” (Is 57, 15). Na Bíblia, não faltam referências e elogios a essa relevante virtude. Segundo Santo Tomás de Aquino, trata-se da “princesa dentre as qualidades humanas e cristãs.”
Infelizmente, ao longo dos séculos, deturpou-se o sentido desse dom espiritual, tão importante para o ser humano e a formação do tecido social. O termo humilde foi adquirindo outras acepções: simplório, parvo, fraco, rejeitado, excluído (este adjetivo com forte carga ideológica). Nosso inesquecível Dom Nivaldo Monte costumava dizer em suas homilias: “Meus irmãos, acautelai-vos dos falsos humildes.” De maneira equivocada e tendenciosa, chegou-se a difundir, em certas instituições de formação religiosa, que humildade resulta em não contestar, mas obedecer piamente e calar. Passou-se a viver essa virtude cristã como uma forma de servilismo e subserviência. Muitas vezes, chega a ser confundida com obediência, um dos votos sagrados. No decorrer do tempo, foi perdendo a semântica e o significado primitivo de objetividade e autenticidade. Em contrapartida, tenta-se substituir “essa pérola espiritual”, dando lugar ao orgulho, à arrogância e empáfia. A humildade é a pureza e o encanto da alma. Quando inexiste beleza interior, veste-se a túnica do título, poder, dinheiro, cargo ou status. Sói acontecer nos tempos modernos. Quantas vezes, dá-se preferência à leitura de certos autores, levando-se mais em conta os seus diplomas e a publicidade do que a originalidade ou riqueza de seu conteúdo. A mentira e os sofismas ressentem-se da ausência de realismo e veracidade. Convém lembrar o ensinamento do Livro dos Provérbios: “Antes da glória, está a humildade” (Pr 15, 33). O mundo hodierno caminha na contramão da Palavra divina. Atualmente, o que mais se verifica é a manifestação da vaidade, do sentimento de superioridade, da suposição e ilusão de hegemonia. Constata-se uma crescente presunção científica, despida da necessária isenção e indispensável honestidade intelectual. Não são poucos os que se arvoram de senhores absolutos da verdade. No apogeu da pandemia deparou-se muitas vezes com a exibição da fogueira das vaidades. Em nome da ciência e preocupação pela vida, não faltou quem defendesse convictamente interesses ideológicos e partidários dissimulados, preconceitos camuflados, rejeições abscônditas e inverdades maquiadas. É importante a recomendação da Sagrada Escritura: “O orgulho do homem o rebaixará, enquanto a sua humildade lhe trará honra” (Pr 29, 23).