terça-feira, 18 de outubro de 2022

'A humildade tão esquecida', artigo semanal do Pe. João Medeiros

A humildade tão esquecida


Pe. João Medeiros Filho
Arquidiocese de Natal
“Sou manso e humilde de coração” (Mt 11, 29), eis uma das definições de Jesus a seu respeito. Em “Análise da inteligência de Cristo”, Augusto Jorge Cury comenta esta e outras afirmativas do Mestre da Galileia. Sob a ótica psicanalítica, pesquisou no Evangelho de Lucas o comportamento do Filho de Deus, em sua existência terrena. O escritor e médico psiquiatra chegou à conclusão de que “o Nazareno era tão humano que só poderia ser um Deus.” Ele quis revelar a nossa verdadeira essência e condição, ensinando-nos a humildade. Este termo provém do latim: “humus” (daí, derivando “humilitas”): chão, solo. Portanto, humilde é quem tem os pés na terra. Equivale a dizer: realista, objetivo. A palavra latina empregada por São Jerônimo, tradutor da Bíblia (Vulgata), origina-se de “ANH”, que significa em aramaico: despido de máscaras, transparente, verdadeiro. Da mesma raiz é o étimo “ANAWIN” (simples, despojado, autêntico), traduzido inexatamente em vários textos bíblicos por pobre. Este vocábulo reveste-se de conotação socioeconômica e política. Pobreza, na concepção bíblica, quer dizer transparência, autenticidade. Assim, entende-se a alusão de Cristo, no Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os pobres em espírito, pois deles é o Reino dos Céus” (Mt 5, 3).

Jesus era dotado de profunda visão psicológica e pedagógica. Uma de suas missões, como nosso Salvador, consistia em ensinar ao homem como atingir a maturidade, o equilíbrio e, por conseguinte, a sua realização. Por isso, proclamava: “Todo aquele que se exaltar será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 14, 11). Raciocínio lógico e coerente. Quem não coloca os pés no chão, provavelmente cairá. Falta-lhe apoio. Ao contrário, quem está com eles firmes no solo, raramente sofrerá queda. O profeta Isaías coloca nos lábios do Todo-Poderoso: “Eu moro nas alturas, mas também habito no coração contrito e humilde” (Is 57, 15). Na Bíblia, não faltam referências e elogios a essa relevante virtude. Segundo Santo Tomás de Aquino, trata-se da “princesa dentre as qualidades humanas e cristãs.”

Infelizmente, ao longo dos séculos, deturpou-se o sentido desse dom espiritual, tão importante para o ser humano e a formação do tecido social. O termo humilde foi adquirindo outras acepções: simplório, parvo, fraco, rejeitado, excluído (este adjetivo com forte carga ideológica). Nosso inesquecível Dom Nivaldo Monte costumava dizer em suas homilias: “Meus irmãos, acautelai-vos dos falsos humildes.” De maneira equivocada e tendenciosa, chegou-se a difundir, em certas instituições de formação religiosa, que humildade resulta em não contestar, mas obedecer piamente e calar. Passou-se a viver essa virtude cristã como uma forma de servilismo e subserviência. Muitas vezes, chega a ser confundida com obediência, um dos votos sagrados. No decorrer do tempo, foi perdendo a semântica e o significado primitivo de objetividade e autenticidade. Em contrapartida, tenta-se substituir “essa pérola espiritual”, dando lugar ao orgulho, à arrogância e empáfia. A humildade é a pureza e o encanto da alma. Quando inexiste beleza interior, veste-se a túnica do título, poder, dinheiro, cargo ou status. Sói acontecer nos tempos modernos. Quantas vezes, dá-se preferência à leitura de certos autores, levando-se mais em conta os seus diplomas e a publicidade do que a originalidade ou riqueza de seu conteúdo. A mentira e os sofismas ressentem-se da ausência de realismo e veracidade. Convém lembrar o ensinamento do Livro dos Provérbios: “Antes da glória, está a humildade” (Pr 15, 33). O mundo hodierno caminha na contramão da Palavra divina. Atualmente, o que mais se verifica é a manifestação da vaidade, do sentimento de superioridade, da suposição e ilusão de hegemonia. Constata-se uma crescente presunção científica, despida da necessária isenção e indispensável honestidade intelectual. Não são poucos os que se arvoram de senhores absolutos da verdade. No apogeu da pandemia deparou-se muitas vezes com a exibição da fogueira das vaidades. Em nome da ciência e preocupação pela vida, não faltou quem defendesse convictamente interesses ideológicos e partidários dissimulados, preconceitos camuflados, rejeições abscônditas e inverdades maquiadas. É importante a recomendação da Sagrada Escritura: “O orgulho do homem o rebaixará, enquanto a sua humildade lhe trará honra” (Pr 29, 23).

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