domingo, 21 de setembro de 2025

A Letra dos Profetas e a Letra da Lei: Um País que Esqueceu de Seus Primeiros Mandamentos

Neste domingo, enquanto os fiéis se reúnem nas igrejas para ouvir as palavras do profeta Amós contra aqueles que "pisam os pobres" e "adulteram balanças", no Congresso Nacional ainda ecoa o barulho dos 353 votos que, na madrugada de terça-feira para quarta-feira passada, aprovaram o que ficou conhecida como PEC da Blindagem, uma proposta que, na prática, ressuscita o fantasma da impunidade parlamentar.

É uma ironia amarga que, no mesmo país onde se lê "Deus não é indiferente à injustiça" nos púlpitos, os eleitos pelo povo votem para se blindarem da mesma justiça que deveria alcançar a todos. A PEC, que agora segue para o Senado, exige que o próprio Congresso autorize investigações criminais contra seus membros, criando um sistema onde os suspeitos de crimes deliberam sobre seus próprios processos.

Há algo profundamente perturbador em ver parlamentares votando para que somente o Supremo Tribunal Federal possa determinar medidas cautelares contra seus pares, enquanto estendem o foro privilegiado até mesmo para presidentes de partidos políticos. É como se criassem uma casta intocável, uma aristocracia jurídica em plena democracia.

O texto aprovado determina que deputados e senadores só poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis, e ainda assim, a manutenção da prisão dependerá de aval do próprio Legislativo. Imagine: um parlamentar flagrado em crime hediondo só permanecerá preso se seus colegas assim permitirem. É o corporativismo elevado à categoria de mandamento constitucional.

Jesus, no Evangelho deste domingo, fala do administrador infiel que, prestes a ser demitido, usa de astúcia para garantir seu futuro. A diferença é que Cristo elogia a esperteza, não a desonestidade. Nossos parlamentares, porém, parecem ter aprendido apenas a segunda lição.

A deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), durante a votação, foi direta ao ponto: "É PEC da bandidagem, não tem outro nome! (...) O foco é qualquer crime: é assassinato, é pedofilia, é estupro, é corrupção." Suas palavras ecoam o desespero de quem vê a justiça sendo moldada pelas próprias mãos dos que deveriam temê-la.

O Salmista canta que Deus "levanta do pó o indigente e ergue do lixo o pobre", mas nossos legisladores parecem mais empenhados em erguer muralhas jurídicas para se protegerem das consequências de seus atos. Enquanto o povo brasileiro luta contra a carestia, o desemprego e a violência urbana, seus representantes dedicam tempo precioso para se tornarem praticamente improcessáveis.

Esta PEC não é apenas uma questão técnica de direito constitucional. É um espelho da alma política brasileira, que reflete uma classe dirigente que perdeu qualquer pudor em se autoprivilegiar. É a materialização perfeita da advertência bíblica sobre servir a dois senhores: enquanto fingem servir ao povo, servem claramente aos próprios interesses.

Paulo, na carta a Timóteo, nos exorta a orar pelas autoridades para que governem com sabedoria e justiça. Mas como orar por quem vota conscientemente contra a justiça? Como interceder por quem transforma o mandato popular em escudo contra a lei?

O mais trágico é que essa proposta renasce das cinzas de uma norma já sepultada pela História. Em 2001, o próprio Congresso havia revogado esse tipo de blindagem, reconhecendo que ela gerava impunidade. Mais de vinte anos depois, numa demonstração cristalina de que não aprenderam nada, os parlamentares querem ressuscitá-la.

Felizmente, a batalha não está perdida. O presidente da CCJ do Senado, Otto Alencar, já sinalizou que a proposta não passará na Casa Alta. Mas não devemos depositar nossa esperança apenas na segunda Casa do Congresso, e sim na pressão popular e na consciência de que uma democracia não pode sobreviver com uma classe política que se coloca acima da lei.

Como bem observou o deputado Túlio Gadêlha: "é este parlamento aqui que vai dizer se esse parlamentar vai continuar sendo investigado ou se ele simplesmente está blindado de qualquer investigação?"

A frase de Jesus ecoa com força profética neste momento: "Não podeis servir a Deus e ao dinheiro." Poderíamos parafrasear: não se pode servir ao povo e aos próprios privilégios. Não se pode jurar defender a Constituição enquanto a desfigura para benefício próprio.

Que esta PEC da Blindagem seja lembrada não apenas como mais um episódio vexatório da política brasileira, mas como um momento de despertar da consciência nacional. Que o povo brasileiro, inspirado pela coragem do profeta Amós, continue denunciando aqueles que "pisam os pobres" e manipulam as leis em benefício próprio.

Porque, no final das contas, nem todas as emendas constitucionais do mundo conseguem blindar alguém do julgamento da História e da consciência de um povo que um dia acordará para cobrar de seus representantes aquilo que eles prometeram, mas nunca cumpriram: servir ao bem comum acima de tudo.

A justiça de Deus pode tardar, mas não falha. E a do povo brasileiro, esperamos, também não.

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