sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Às vésperas das eleições

Por Pe. João Medeiros

Em breve, as eleições municipais. O descrédito de muitos brasileiros pelos seus políticos é impactante, principalmente quando se trata de partidos e convicções ideológicas. Eles não servem ao povo, servem-se dele. Revelam-se incapazes de construir o bem comum. Engajar-se pela dignidade do ser humano é o único caminho para superar o menoscabo e a rejeição pelos que cuidam da “res publica”. Não se recupera a credibilidade com a simples presença de pessoas probas. É preciso identificar nelas atos benéficos, que estabeleçam elementos determinantes para o bem-estar do povo. Dom Eugênio Sales, no III Simpósio para Pessoas de Poder Decisório, acontecido no Sumaré/RJ, dissera: “Quem se decidir pela vida pública, não pode desprezar a pessoa humana, imagem de Deus.” E arrematou com palavras de São Cipriano de Cartago (210-258), inspiradas no evangelista João: “É mentira chamar Deus de Pai, quando não se tem o sentimento de que o outro é realmente irmão.”

A Encíclica “Fratelli Tutti” indica o papel dos autênticos líderes: “Interpretar a vontade do povo para agir em favor dele.” Apenas lideranças qualificadas contribuem para alicerçar um projeto duradouro de bem comum. Por isso, têm a incumbência de admitir a prioridade do ser humano, para o qual existe a sociedade. No exercício da autêntica política exige-se o inegociável propósito de discussões honestas, buscando verdadeiramente defender causas legítimas e justas. Os homens públicos devem orientar-se pelos direitos e necessidades da população, outorgante e mandatária legítima de seus poderes.

Importa nessa perspectiva que os interesses partidaristas sejam relativizados. É imprescindível que os atores políticos estejam sempre imbuídos de honestidade material e intelectual, colocando em plano secundário as preferências meramente ideológicas. A política é válida, se construir uma comunidade justa, fraterna e solidária. Desvia-se de seus objetivos, quando propostas e atos contemplam prioridades de grupos. Da mesma forma, é deturpada ao se governar apenas para os sequazes. A consequência é o favorecimento de poucos, sobrando à maioria migalhas e sobejos. Não se tem conseguido penalizar aqueles que exploram, amesquinham e perseguem o povo, colocando vidas em risco pela desassistência e submissão a situações vis, análogas à escravidão.

Tudo o que fere o bem comum é desumano e anticristão, negando peremptoriamente a natureza da política. Merece atenção especial a desigualdade social no Brasil com seus vergonhosos e degradantes cenários para a cidadania. Gera exclusão e aprisiona os cidadãos com preconceitos e discriminações. O populismo insano é outra ameaça deletéria. Quem o pratica, busca atrair adeptos para massificar o povo. É aviltante, pois coisifica o indivíduo. Atualmente, fala mais alto o projeto pessoal de permanência ou volta ao poder. Esta é a tônica de vários candidatos. É muito grave, quando esse populismo favorece inclinações ignóbeis de grupos e facções. Detestável ainda é tentar submeter instituições e indivíduos ao servilismo. O candidato integro permanece aberto a críticas construtivas e mudanças autênticas, enriquecedoras para o homem.

Governantes e legisladores detêm a responsabilidade de oferecer às pessoas meios para sua realização como criaturas humanas. Por isso, é necessário aniquilar os contrastes. Os que estão no poder não estão autorizados a renunciar ao indispensável desafio de ajudar a construir um modelo de sociedade. Esta tem o dever de assegurar a todos o direito ao exercício da cidadania, partindo de suas peculiaridades. Há quem pense que ser líder é calar, manipular, “lacrar” e destruir os outros. Aqueles que se dedicam à vida pública são chamados a novos aprendizados para reconstruir a Pátria. “A política bem exercida é a forma mais alta da caridade”, afirmava Pio XI, seguido pelos últimos papas. Quem a exerce terá de se imbuir dos ensinamentos bíblicos: “Ninguém busque seu próprio interesse, mas o do outro” (1Cor 10, 24). Os municípios estão nas mãos dos eleitores. Às igrejas cabe unir e não dividir. Aos pastores a tarefa de respeitar, iluminar e nunca aliciar. Neste final de campanha eleitoral, mister se faz que os cristãos reflitam muito e supliquem a Deus pelos futuros eleitos, responsáveis pelos destinos de nossa gente. É preciso que saibam “conduzir o povo com justiça e equidade” (Is 32, 1), “pois quando os justos são maioria e governam, o povo se alegra” (Pr 29, 2).






Padre João Medeiros Filho
Arquidiocese de Natal
Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras

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