Por Diac. Paulo Felizola
Após a publicação, pelo Clube de Roma, em 1972, de um estudo intitulado “Os limites do Crescimento”, segundo o qual, se o mito do desenvolvimento fosse realizado, ou seja, se o padrão médio de vida dos países ricos fosse universalizado, haveria um colapso no mundo por conta da crise decorrente da exaustão dos recursos não renováveis. Assim sendo, as promessas do mito do desenvolvimento não poderiam ser realizadas ao mesmo tempo em que, com o reconhecimento dos limites dos recursos naturais, seria necessário considerar, na equação do desenvolvimento, a variável ecológica.
Essa constatação, não resta dúvida colocou todo o sistema em um impasse, pois antes desse estudo o propósito de universalização do padrão de consumo dos países ricos estava sustentado por dois pressupostos básicos: 1) que a melhoria na qualidade de vida consistiria no aumento do nível de produção e consumo de novos e modernos bens resultantes do desenvolvimento tecnológico; 2) que um mais elevado padrão de vida dos países pobres seria decorrente da universalização do padrão de vida nos países ricos, realizada pelo funcionamento do livre mercado. Ou seja, o mercado seria o responsável pela universalização dos níveis quantitativo e qualitativo do consumo nos países pobres. No entanto, com a necessidade de considerar, também, o limite imposto pela variável ambiental, para que a equação do desenvolvimento possa ser resolvível tornou-se necessário eliminar uma das três variáveis: ou o desenvolvimento tecnológico, ou o padrão de consumo definido pelo mercado, ou a limitação dos recursos naturais. Eis o impasse.
Por conta desse impasse, foi desenvolvida uma proposta que mantem as três variáveis, embora a variável tecnológica seja considerada como novas tecnologias; mantem o consumo como critério para medir o padrão de vida (a cultura capitalista) e reconhece o problema ecológico. Os objetivos dessa proposta seriam, assim, criar novas tecnologias e hábitos de consumo que agridam menos o meio ambiente e usem menos recursos não renováveis, ao mesmo tempo em que essas novas tecnologia gerariam novos negócios para empresas capitalistas.
Aqui é preciso alertar, para que não percamos de vista que essa opção tecnológica é a inspiração da proposta contida no Pacto pela Transformação Ecológica, tanto em seus pressupostos como em seus objetivos, conforme demonstramos na reflexão anterior. Não considera que a universalização do padrão de consumo dos ricos via o sistema de mercado, contrariamente, produz concentração de renda, exclusão social, sacrifícios de vidas humanas e destruição de culturas locais, mesmo que venham a conseguir manter o meio ambiente em nível sustentável.
Essa proposta tecnológica, por ser um modelo que tenta compatibilizar a sustentabilidade ambiental com a cultura capitalista do mercado livre, tem sido a proposta mais difundida e incentivada, mas que contrasta com o entendimento e a proposta da Igreja de um desenvolvimento sustentável e integral.
Contestando o paradigma tecnológico, o Papa Francisco nos lembra que no cerne desse paradigma esta o poder globalizante e massificador da tecnologia, já que “os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de determinados grupos de poder. Certas opções, que parecem puramente instrumentais, na realidade são opções sobre o tipo de vida social que se pretende desenvolver.” (Laudato Si, n.107)
Além de condicionar os estilos de vida e orientar as possibilidades sociais, o paradigma tecnológico também exerce todo o seu domínio sobre a economia e a política: “A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, sem prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano. A finança sufoca a economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, se aprende a lição do deterioramento ambiental. Em alguns círculos, defende-se que a economia atual e a tecnologia resolverão todos os problemas ambientais, do mesmo modo que se afirma, com linguagens não acadêmicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos, simplesmente, com o crescimento do mercado.” (Laudato Si, n.109)
Diante dessas constatações e outras mais a cerca do poder massificador e equivocado do paradigma tecnológico o Papa Francisco, ainda, nos adverte que “A cultura ecológica não pode ser reduzida a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição. Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático. Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada. Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar coisas que, na realidade, estão interligadas e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial.” (Laudato Si, n.111)
De fato, a solução para o problema ambiental não pode advir de respostas parciais, imediatistas, como a que nos oferece a proposta tecnológica motivadora do Pacto pela Transformação Ecológica e outras mais incapazes de se libertarem dos interesses capitalista, porém, de uma nova cultura ecológica de um novo ideal de vida, de uma vida mais simples e em harmonia com a natureza, com um nível mais baixo de consumo de mercadorias. Para tal, é preciso a humildade de aprendermos, por exemplo, com as comunidades de pequenos produtores que “[...] optam por sistemas de produção menos poluentes, defendendo um modelo não-consumista de vida, alegria e convivência. Ou quando a técnica tem em vista prioritariamente resolver os problemas concretos dos outros, com o compromisso de os ajudar a viver com mais dignidade e menor sofrimento. E ainda quando a busca criadora do belo e a sua contemplação conseguem superar o poder objetivador numa espécie de salvação que acontece na beleza e na pessoa que a contempla.” (Laudato Si, n.112)
REFERÊNCIAS
PAPA FRANCISCO. Laudato si. São Pauo: Loyola, 2015.
SUNG, J. M. Idolatria do dinheiro e direitos humanos: Uma crítica teológica do novo mito do capitalismo. São Paulo: Paulus, 2018.
Diácono Paulo Felizola de Araújo
Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta(RN)
Arquidiocese de Natal
Arquidiocese de Natal