quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O Pacto Educativo e a dignidade da pessoa humana (Pe. Matias Soares)


A missão de evangelizar, a luta pelo reconhecimento e a promoção da dignidade da pessoa humana são marcas pastorais da Igreja. O caminho da sua ação evangelizadora é sempre o ser humano, na sua totalidade e integral relacional. Quando no Concílio Vaticano II afirma que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (cf. Gaudium et Spes, 1), os padres conciliares estão a assumir o que a Tradição Viva da Igreja sempre tiveram presente com a sua antropologia teológica. Para o cristianismo, todo e qualquer ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus. Não importa que seja cristão, ou não. O que é reconhecido é a sua dignidade como ser de inteligência e vontade; ou seja, com a sua capacidade de conhecer a verdade e viver o amor, na liberdade, atento aos direitos e possibilidades dos demais seres humanos e da Criação.

No Catecismo Católico tem a sistematização do significado da dignidade da pessoa humana para Igreja (cf. CIgC, n. 1700-1876). Contudo, recentemente o Dicastério para a Doutrina da Fé, nos apresentou com uma Declaração “sobre a dignidade humana”, na qual nos oferece um esclarecimento fundamental sobre essa dignidade, corroborando que ela “é reconhecida, respeitada, protegida, e promovida em todas as circunstâncias. Tudo isso nos leva a reconhecer a possibilidade de uma quádrupla distinção do conceito de dignidade: dignidade ontológica, dignidade moral, dignidade social e, enfim, dignidade existencial. O sentido mais importante, afirma a Declaração, é aquele ligado à dignidade ontológica, que compete à pessoa enquanto tal, pelo simples fato de existir e de ser querida, criada e amada por Deus” (cf. n. 7).

Destes conceitos, quero voltar à atenção ao de ‘dignidade social’, pois de acordo com a Declaração “quando se fala de ‘dignidade social’, quer-se referir às condições nas quais uma pessoa vive. Na pobreza extrema, por exemplo, quando não se dão as condições mínimas para que uma pessoa possa viver segundo a sua dignidade ontológica, diz-se que a vida daquela pessoa tão pobre é uma vida ‘indigna’ (cf. n. 8). As contradições e desigualdades sociais não diminuem a dignidade ontológica, mas nos mostram que os princípios do bem comum e da justiça social estão sendo violados. Nesse ponto, o direito à educação, quando sonegado a todo e quaisquer cidadãos, é uma ofensa a dignidade existencial e social das pessoas, que passam a ter o seu desenvolvimento integral comprometido.

A outra via ao reconhecimento da dignidade humana é a da racionalidade. Podemos pensá-la como a perspectiva natural, à qual desde Boécio, com o seu conceito clássico, que afirmara que a pessoa é uma “substância individual de natureza racional” (cf. CDF, Declaração n. 9), já demonstra o elo de ligação; mas, outrossim, de distanciamento da percepção teológica. Com o Iluminismo, a dignidade humana foi sendo, narrativamente e existencialmente, apresentada com os seus fundamentos, só e somente só, racionais. 

O homem distancia-se da transcendência - divino-fé - e assume o transcendente - humano-razão - passando a ser a “medida de todas as coisas”. A ideia em questão, já no discurso de Pico della Mirandola, “sobre a dignidade do homem”, passando pelo Jean Jacques Rousseau e Kant até a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), faz um caminho epistemológico e declaratório, que tem na categoria da razão o fundamento à universalidade do ‘Espírito Absoluto’ e da ‘Dignidade Inalienável da Pessoa Humana’ como chaves de hermenêutica e de reconhecimento dos direitos fundamentais de garantia da dignidade de todo e qualquer ser humano, desde à sua concepção até o seu fim natural.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos temos já preceituado, no Art. 26,1, que “toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito”, e desta forma a indissociável relação entre o reconhecimento da dignidade humana e o direito à educação para todos os cidadãos. 

O que não pode ser renegado às pessoas ao interno dos seus países e direitos constitucionais (cf. Constituição Federal do Brasil, Art. 205). Ainda há muita defasagem, tanto qualitativa, quanto quantitativamente, em nosso país. O tema aparece com nuances mais demagógicas do que de genuínos interesses em tempos eleitorais. Nos falta o envolvimento amplo e permanente de todos os atores sociais em função da educação. Por isso, tratar da relação entre a dignidade da pessoa humana e o direito à educação, nunca será uma discussão ultrapassada, já que os dados e as percepções sociais nos levam à lúcida constatação de que ainda necessitamos fazer um longo caminho de conquistas e fazer alianças em prol desta nobilíssima causa. Sem acesso à educação para todo e quaisquer cidadãos, não teremos legitimidade moral e cívica para dizer que há respeito à dignidade de cada pessoa humana.

O Papa Francisco, com a proposta do Pacto Educativo Global, que consiste “no seu chamamento para que todas as pessoas no mundo, instituições, igrejas e governos priorizem uma educação humanista e solidária como modo de transformar a sociedade”, nos oferece sete princípios norteadores à implementação desta urgentíssima Aliança (cf. https://anec.org.br/acao/pacto-educativo-global). Nesta reflexão, logicamente, destaco o primeiro fundamento, que é justamente o que coloca “a pessoa humana no centro do processo educativo”. 

O que é proposto pelo Pontífice está em plena sintonia com o magistério social da Igreja, que já no Concílio Vaticano II, encontra a sua síntese transversal: “Todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto gozarem da dignidade de pessoa, têm direito inalienável a uma educação correspondente ao próprio fim, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e paz na terra. A verdadeira educação, porém, pretende a formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é membro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte” (cf. Gravissimus Educationis, 1). O que temos na iniciativa do Pacto é a sistematização de temas humanísticos e planetários que precisam fazer parte do processo educativo na sua totalidade, como garantidores de uma educação inclusiva e integral.

O que a Arquidiocese de Natal, com as demais Dioceses que formam a nossa província eclesiástica e tantas outras instituições que estão assumindo este possível “Novo Movimento de Natal”, ou do “Rio Grande do Norte”, se propõe é ser ponte para o diálogo, a união e a luta em prol desta busca por este direito fundamental ao bem comum e, especialmente, tendo em vista a dignidade de cada cidadão potiguar. A sua história de comprometimento com o desenvolvimento dos norte-rio-grandenses é a sua grande advogada, especialmente no âmbito educativo. Com a educação de qualidade e para todos, a sociedade de modo sistêmico e globalmente sai ganhando. 

As pessoas na atualidade, com seus individualismos, marcadas pela tirania do èxito e da negação do outro, em suas relações, têm desistido da luta por ideais e grandes causas. Inclusive, na própria Igreja, muitos perderam a capacidade de sonhar e deixaram de lado a esperança, sobre a qual tanto falamos. Mas, com a proposta do Pacto Educativo, à luz da ‘Alegria do Evangelho’, não podemos deixar que nos roubem a Esperança; pois, lutar pela educação é dizer que acreditamos que cada ser humano tem direito ao seu pleno desenvolvimento e, deste modo, professamos a fé e o reconhecimento da dignidade de cada ser humano. Isso também faz parte da nossa missão evangelizadora. Assim o seja!

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