domingo, 26 de outubro de 2025

Crônica sobre a Parábola do Fariseu e do Publicano

Dois homens sobem ao palco. Um, de terno impecável, pasta executiva e gravata que custa o salário mensal de uma família; outro, com roupa surrada, chapéu amassado na mão, cabeça baixa. A cena é antiga, está em Lucas (18, 9-14), mas poderia ser transmitida ao vivo neste exato momento pelas TVs e jornais da nossa cidade.

O primeiro se aproxima do microfone com segurança. Seu discurso já está pronto, ensaiado diante do espelho e calibrado pelas pesquisas de opinião. "Agradeço por não ser como os outros políticos", começa ele, e a plateia conhece a deixa. "Não sou corrupto, não desvio verbas, não trafico influências. Jejuo duas vezes por semana nas redes sociais e doo o dízimo da minha imagem aos necessitados, quero dizer, aos eleitores." É o fariseu da parábola vestido de parlamentar. Aquele que transformou a política em performance de superioridade moral, que confunde governar com se exibir, que acredita que administrar o bem comum é, no fundo, administrar a própria biografia para a posteridade. Mas há outro homem no canto do palco. Esse, as câmeras evitam. Está "à distância", como diz o Evangelho, porque na geografia do poder sempre há espaços reservados e espaços negados. É o cobrador de impostos, o publicano, o servidor público anônimo que carrega o peso da máquina estatal nas costas e sabe muito bem como de fato são as coisas, porque vive na carne, ele sabe que o Estado é falho, que as leis são injustas, que o sistema esmaga os mesmos que deveria proteger. "Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador", ele murmura. Não como retórica, mas como confissão verdadeira de quem conhece a engrenagem por dentro e não tem a ilusão de estar acima dela. Ele não voltou "justificado" para casa porque se achava melhor que os outros, mas justamente porque reconheceu que não era.

A primeira leitura deste domingo, tirada do Eclesiástico, é um tapa na cara da meritocracia hipócrita: "O Senhor é um juiz que não faz discriminação de pessoas. Ele não é parcial em prejuízo do pobre, mas escuta, sim, as súplicas dos oprimidos." Traduzindo para o nosso cotidiano: Deus não está impressionado com seu currículo Lattes, com o saldo da sua conta bancária ou seus discursos inflamados sobre família e moral. Ele ouve é o choro da viúva, a súplica do órfão, o grito do trabalhador precarizado, do migrante na fronteira, do jovem negro abordado pela polícia, da mulher que apanha em casa e não tem para onde correr. A política que não escuta esses gritos não é política, é marketing. É farisaísmo de terno e gravata, é performance para os algoritmos, é construção de imagem em cima de cadáveres reais. E tem mais: "A prece do humilde atravessa as nuvens; enquanto não chegar, não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha." Os humildes, os explorados, os esquecidos têm uma resiliência que incomoda os poderosos: eles não desistem. Suas preces-manifestações, suas preces-greves, suas preces-ocupações de terra atravessam os tetos de vidro dos gabinetes blindados. E não descansam.

Paulo, na segunda leitura, faz seu testamento político: "Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé." Não há nele a arrogância do fariseu, mas também não há a paralisia do derrotado. É o testemunho de quem viveu a política como missão, não como carreira; como serviço, não como trampolim. "Na minha primeira defesa, ninguém me assistiu; todos me abandonaram", ele confessa. Qualquer militante reconhece a cena: o isolamento de quem não se vende, a solidão de quem não embarca no trem da conveniência, o abandono dos que diziam estar junto, mas sumiram na hora da onça beber agua. E ainda assim, Paulo não se coloca acima: "Oxalá que não lhes seja levado em conta." Não há rancor, não há lista de inimigos para a vingança futura, não há gabinete do ódio. Há a consciência de que a luta é maior que as traições individuais, de que a causa sobrevive aos traidores.

A moral desta crônica, qual é? Respondo: Simples e brutal: a política está cheia de fariseus e desesperadamente carente de publicanos. Está lotada de gente que sobe ao palanque para agradecer por não ser "como os outros", mas vazia de quem tenha coragem de bater no peito e dizer: "Sou parte do problema. E preciso mudar." O fariseu volta para casa com os holofotes, os trending topics, as capas de revista. O publicano volta "justificado", ou seja, ajustado, alinhado com a justiça verdadeira, aquela que não se mede em likes, mas em vidas salvas, em dignidade restaurada, em pão repartido. "Quem se eleva será humilhado; quem se humilha será elevado." Não é ameaça é diagnóstico. Os fariseus da política podem até ganhar eleições, mas perdem a alma. Constroem monumentos para si mesmos que viram ruínas antes mesmo de serem inaugurados. Já os publicanos, os que reconhecem sua fragilidade e lutam mesmo assim, esses deixam sementes. Nem sempre veem a colheita. Mas as sementes brotam. E os fariseus, no fim, terão que se alimentar delas.

Porque a História, como Deus, "não faz acepção de pessoas". Ela escuta o choro dos humildes. E esse choro, mais cedo ou mais tarde, vira trovão.

_______________________________________________________________________________

Já que você chegou até aqui, que tal ficar mais bem informado sobre o que acontece na Igreja Católica, clique neste (LINK) e siga o Canal da CAD Natal no WhatsApp, aqui, você fica bem informado.

NOTÍCIAS DA COMISSÃO DIACONAL

NOTÍCIAS DA ARQUIDIOCESE DE NATAL

NOTÍCIAS DA CNBB

NOTÍCIAS DO VATICANO