sábado, 9 de novembro de 2024

Pacto Educativo Global: é preciso formar os formadores e gestores

Por Diác. Paulo Felizola

Nos últimos dias temos testemunhado, mais uma vez, como a natureza reage ao aquecimento do planeta. A catástrofe que se abateu sobre a Espanha não deixa nenhuma margem a dúvidas, assim como foi no Rio Grande do Sul, onde muitas vidas humanas foram ceifadas, fato repetido, também, na Espanha. Essa reação da natureza à agressão que vem sofrendo à décadas, não tem se limitado à fortes e prolongadas chuvas, mas, também, a estiagens como as que estamos vivendo em nosso pais, com os nossos rios vivendo secas severas que afetam todas as formas de vida, em especial a vida humana.

Mesmo assim, diante desses fatos, nos deparamos com vozes, e não são poucas, que continuam a duvidar da existência do aquecimento global, hipocritamente, alegando ser comum a alternância entre períodos de aquecimento e períodos de esfriamento do planeta, logo todo esse alarido, em torno desses eventos naturais severos, não passaria de uma invenção de cientistas comunistas ou coisa parecida. Mas, não é difícil identificar que todas essas argumentações negacionistas estão alinhadas com o que prescreve o liberalismo tosco e cruel, que temos chamado de neoliberalismo, para quem, na equação do desenvolvimento, o que é mais importante é o aumento constante do consumo[i].

Precisamos lembrar, para o bem do planeta, que aumento do consumo é o principal indicador estimulante de expectativas ao aumento dos investimentos, que por sua vez, de um lado, pressionará a natureza por mais matérias primas e, por outro, seguramente, aumentará a emissão de gases de efeito estufa[ii], potencializando o aquecimento global.

Para, também, manter a essência da cultura capitalista, embora reconhecendo o problema ecológico, imaginou-se que com novas tecnologias, que agredissem menos o meio ambiente, usando menos recursos não renováveis, seria possível gerar novos negócios para empresas capitalistas e aumento da rendo dos trabalhadores e trabalhadoras[iii].

Essa proposta tecnológica foi transformada em um verdadeiro paradigma e, como tal, tem sido objeto de extensa e fundamentada crítica do Papa Francisco, principalmente, em suas Encíclicas Laudato Si e Laudate Deum. Para Francisco esse paradigma trata-se de «um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar». Consiste, substancialmente, em pensar «como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia». Como consequência lógica, «daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia». (Laudate Deum. n. 20)

Além do mais, argumenta Francisco, que todo o progresso tecnológico visto em nossos dias, tem sido baseado “na ideia dum ser humano sem limites, cujas capacidades e possibilidades se poderiam alargar ao infinito graças à tecnologia. Assim, o paradigma tecnocrático alimenta-se monstruosamente de si próprio.” (Laudate Deum. n. 21)

Na realidade, o fato é que estamos diante de uma ideologia que sustenta a obsessão de, para além de toda a imaginação, o poder do homem deve ser aumentado e para esse homem, tudo o que não é humano é um mero recurso que deve estar sempre a seu dispor. Mais uma vez vemos manifestada a cultura capitalista: tudo deve virar mercadoria, ofertada e demandada no mercado, para ser consumida. “Tudo o que existe deixa de ser uma dádiva que se deve apreciar, valorizar e cuidar, para se tornar um escravo, uma vítima de todo e qualquer capricho da mente humana e das suas capacidades.” (Laudate Deum. n. 22)

O que importa é a maximização do lucro, com o mais baixo custo possível, principalmente o que advém da compra de força de trabalho. Nessa lógica não há espaço para a solidariedade, para a partilha e muito menos para preocupações com a Casa Comum e com os descartados do sistema.

Diferentemente da proposta tecnológica, o Papa Francisco, tem deixado claro, que é preciso combater o consumo capitalista com um mais baixo consumo de mercadoria do que temos hoje em um novo ideal de vida, segundo o qual a vida seja mais simples e em harmonia com a natureza. No entanto, essa proposta para a sua realização haverá de enfrentar, logicamente, os interesses capitalistas, que tem, como já afirmamos acima, o consuma como sua essência. Ou seja, é preciso mudar de paradigma e para tal, objetivamente, o Papa, em 2019, convidou a todos “ao diálogo sobre a forma como estamos construindo o futuro do planeta e sobre a necessidade de investir nos talentos de todos, porque todas as mudanças precisam de um caminho educativo para fazer amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora.”

Foi com esse pensamento estratégico e convencido do poder transformador da educação, que o Papa Francisco convocou a todas as pessoas no mundo, instituições, igrejas e governos a priorizem uma educação humanista e solidária como modo de transformar a sociedade pois “educar é apostar e infundir no presente a esperança que rompe os determinismos e fatalismos com que muitas vezes o egoísmo do forte, o conformismo do vulnerável e a ideologia do utopista se querem impor como único caminho possível.

Educar é sempre um ato de esperança que convida à comparticipação transformando a lógica estéril e paralisadora da indiferença numa lógica diferente, capaz de acolher a nossa pertença comum. Se hoje deixássemos os espaços educativos continuarem a reger-se pela lógica da substituição e repetição, incapazes de gerar e mostrar novos horizontes, onde a hospitalidade, a solidariedade intergeracional e o valor da transcendência fundamentem uma nova cultura, não estaríamos porventura a falhar o encontro com a História?”

Temos consciência também de que um caminho de vida necessita da esperança fundada na solidariedade e que toda a mudança requer um percurso educativo para construir novos paradigmas capazes de responder aos desafios e emergências do mundo atual, de compreender e encontrar as soluções para as exigências de cada geração e de fazer florir a humanidade de hoje e de amanhã.

Pensamos que a educação seja um dos caminhos mais eficazes para humanizar o mundo e a história. A educação é sobretudo uma questão de amor e responsabilidade que se transmite, ao longo do tempo, de geração em geração. Por conseguinte, a educação apresenta-se como o antídoto natural à cultura individualista, que às vezes degenera num verdadeiro culto do «ego» e no primado da indiferença. O nosso futuro não pode ser a divisão, o empobrecimento das faculdades de pensamento e imaginação, de escuta, diálogo e compreensão mútua. O nosso futuro não pode ser este!”[iv]

Mas, não podemos ser ingênuos e achar que mudar essa cultura individualista não é uma tarefa difícil. Não percamos de vista que o modelo de sociedade e de convivência que molda o nosso quotidiano não se baseia no que cada pessoa é, mas no que cada pessoa tem, pois desde os primeiros anos, as crianças são educadas mais para “ter” do que para “ser” e, assim, o importante é que sejam formadas para que amanhã “tenham” um cargo, uma renda, um nome, uma segurança”. Assim, quase inconscientemente, preparamos as novas gerações para a competição e a rivalidade e não para a solidariedade, para a inclusão, para o cuidado com o bem comum.

No entanto, é preciso darmos visibilidade ao que nos convida o Papa, reconhecendo que para uma educação transformadora precisamos de formadores e gestores, conscientemente, transformados e dispostos a assumirem os sete caminhos propostos pelo Pacto Educativo Global[v]:

1. Colocar a pessoa no centro. Colocar a pessoa no centro de cada processo educativo, realçar a sua especificidade e a sua capacidade de estar relacionado com os outros, contra a cultura do descartável.

2. Ouvir as gerações mais novas. Escutar a voz das crianças, dos adolescentes e jovens para juntos construir um futuro de justiça e de paz, uma vida digna para cada pessoa.

3. Promover a mulher. Favorecer a participação plena das meninas e das jovens na educação.

4. Responsabilizar a família. Ver na família o primeiro e indispensável sujeito educado.

5. Se abrir à acolhida. Educar e educar-nos à acolhida, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados.

6. Renovar a economia e a política. Estudar novas formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, ao serviço do homem e de toda a família humana na perspectiva de uma ecologia integral.

7. Cuidar da casa comum. Cuidar e cultivar a nossa casa comum, protegendo os seus recursos, adotando estilos de vida mais sóbrios e visando energias renováveis e respeitosas do meio ambiente.

Porém, formar os formadores e gestores educacionais para que, eficientemente, assumam os sete caminhos propostos pelo Pacto Educativo Global exige, pedagogicamente, especializá-los em instituições de ensino qualificadas para tal empreitada, a princípio, sob o incentivo da Igreja no âmbito de suas Dioceses e Arquidioceses, até como gesto concreto da próxima Campanha da Fraternidade.

[i] O aumento constante do consumo é a essência da cultura capitalista.

[ii][ii] “A origem humana – «antrópica» – da mudança climática já não se pode pôr em dúvida. Vejamos porquê. A concentração na atmosfera dos gases com efeito estufa, que causam o aquecimento global, manteve-se estável até ao século XIX: abaixo das 300 partes por milhão em volume. Mas a meados daquele século, em coincidência com o progresso industrial, as emissões começaram a aumentar. Nos últimos cinquenta anos, o aumento sofreu uma forte aceleração, como atesta o observatório de Mauna Loa que efetua, desde 1958, medições diárias do dióxido de carbono”. (Laudate Deum. n. 11)

[iii] Essa tem sido a corrente mais incentivada e divulgada pelos países mais ricos e mais poluentes do planeta, tanto que deram o Prêmio Nobel a Al Gore, ex-vice-presidente dos US.

[iv] Papa Francisco. Mensagem em vídeo sobre o Pacto Educativo Global em15-10-2020.

[v] Pacto Educativo Global. Vademecum. Disponível em https://anec.org.br/acao/pacto-educativo-global






Diácono Paulo Felizola de Araújo
Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta(RN)
Arquidiocese de Natal

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