Por Diác. Eduardo Wanderley
Estamos nos aproximando do Dia Mundial dos Pobres - DMP, a ser celebrado no próximo domingo, 17 de novembro. Me fez voltar a um livreto antigo do frei Raniero Cantalamessa. O título é 'A Pobreza'. Partilho alguns trechos para nossa meditação. “Com que coragem, dizia comigo, falamos da pobreza, quando o que hoje seria considerado entre nós como pobreza quase heroica é para milhões de seres humanos um fato normal do cotidiano e da vida inteira [...]? Jejuar a vida toda a ‘pão e água’ seria para nós o máximo da austeridade, ao passo que para milhões de pessoas ter ‘pão e água garantidos’ já seria uma espécie de sonho.” Não é possível falar sobre a pobreza, sem ter a referência segura de um pobre: o próprio Jesus Cristo. O que ele nos tem a falar?
Antes de tudo vale uma reflexão acerca de nosso discurso sobre a pobreza. Diz o frade, antigo pregador da casa pontifícia, “O caruncho [NT: gorgulho] que sempre carcomeu a pregação da pobreza na cristandade, e a tornou suspeita, foi a tendência a exigi-la dos outros, a fazer dela sempre um capítulo de acusação contra alguém”. Como nós temos a coragem de censurar sem nos determos, nós mesmos, na ação curativa para com os pobres?
A celebração do dia mundial dos pobres é um facho de luz nas trevas do mundo capaz de estampar uma revista com rostos dos milionários: ela é a antítese da revista Forbes. É o passo que se dá para tornar visíveis os rostos invisíveis dos pobres. E, somente uma igreja pobre é capaz de promover e alavancar uma iniciativa dessa monta. A data foi instituída pelo Papa Francisco em 2016, após o Jubileu Extraordinário da Misericórdia. Se trata de momentos reflexivos sobre a causa do pobre.
Para o frei Raniero, as escrituras sagradas tratam tanto da riqueza quanto da pobreza e apresentam aspectos positivos e negativos em cada uma. Tudo depende do contexto. Kavanaugh em seu livro 'Faces os Poverty, Faces of Christ' (Faces da pobreza, Faces de Cristo em tradução livre), apresenta mesmo quatro tipos de pobreza (apud Cantalamessa): 1) a material negativa, que desumaniza e deve ser combatida; 2) a material positiva, que eleva e liberta, um verdadeiro ideal evangélico de desapego; 3) a espiritual negativa, que é a ausência dos bens espirituais e valores humanos verdadeiros; e 4) a espiritual positiva, feita de humildade e confiança em Deus, que é o mais belo fruto produzido na árvore da pobreza bíblica.
Jesus Cristo, lembro do evangelho do último domingo, falou da viúva que ofereceu duas moedas enquanto outros ofereceram quantias bem mais vistosas. Aquela mulher ofereceu o seu tudo. Não muito distante o jovem rico ficou triste quando Jesus lhe falou que deveria se desfazer de tudo para segui-lo. A diferença entre um e outro é “o tudo”. Jesus sempre faz o máximo com o nosso pobre tudo. Foi assim também com os cinco pães e os dois peixinhos. Era o tudo dos apóstolos naquele momento, mas, ofertados com o coração, alimentou uma multidão.
O processo a que somos chamados não é apenas para a partilha material, que tantas e belas iniciativas temos em nossa arquidiocese. É condição necessária oferecer uma cesta básica, um pão novo, um brinquedo para uma criança. Necessária, mas não suficiente. O nosso tudo exige uma sequência. Não se pode dar uma vara de pescar para um faminto. É preciso, antes, dar o peixe assado, para matar a fome. Mas também é necessário seguir o método. Se ficarmos somente nos pães partilhados, seremos apenas assistencialistas e não promotores da vida. É preciso, depois de dar o peixe, insistir para que a vara de pescar seja usada, oferecendo um bem muito mais nobre: a dignidade humana.
E, para terminar, é preciso investir na consciência do resgatado. Para que ele forme associação, para que seja capaz de dar as mãos para batalhar por melhorias de vida junto aos seus pares. Eis o papel de nossas iniciativas que, repito, são tantas e são belas. As caravanas de fim de ano devem manter contato com as famílias visitadas. Devem acompanhar e promover dignidade. O pobre não é um instante, mas uma vida. Que nossas preces sejam como as preces dos pobres: “A oração do pobre eleva-se até Deus” (tema desse ano do DMP). Avante!