sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Dilexi te: o amor aos pobres como coração do Evangelho (Dom João Santos)


A Exortação Apostólica Dilexi te, do Papa Leão XIV (4 de outubro de 2025), constitui um dos primeiros atos magisteriais de seu pontificado e manifesta uma clara linha de continuidade com o Papa Francisco, de quem o novo Pontífice herdou o projeto inicial do texto. Essa continuidade se expressa não apenas no título — que dialoga diretamente com a encíclica Dilexit nos, sobre o amor humano e divino do Sagrado Coração de Jesus —, mas sobretudo na ênfase dada à dimensão evangélica do amor preferencial pelos pobres como caminho de santificação pessoal e renovação eclesial.

O documento parte de fontes bíblicas como fundamento do compromisso cristão com a promoção humana e o cuidado dos pobres. Desde a frase inicial — que abre e dá título ao texto, «Eu te amei» (Ap 3,9), dirigida a uma comunidade cristã sem prestígio nem recursos, exposta à violência e ao desprezo —, recorda-se que o amor divino se manifesta, antes de tudo, na atenção aos pequenos e esquecidos.

A partir da revelação feita a Moisés — “Eu vi a aflição do meu povo” (Ex 3,7-10) —, o Papa mostra que o amor de Deus em relação aos pobres se traduz em escuta, compaixão e libertação. A pobreza, portanto, não é um acaso nem um simples dado social, mas um lugar teológico onde Deus se revela e fala à humanidade: “o contato com quem não tem poder nem grandeza é um modo fundamental de encontro com o Senhor da história. Nos pobres, Ele ainda tem algo a dizer-nos” (n. 5). Cristo, o Messias pobre, encarna plenamente essa opção divina: “sendo rico, fez-se pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza” (2Cor 8,9). Assim, o amor aos pobres deixa de ser mera beneficência para tornar-se expressão concreta da fé no Deus que se fez pobre e próximo dos últimos.

Leão XIV demonstra que a atenção e o cuidado com os pobres não derivam de ideologias nem de modismos sociais, mas têm natureza teologal, enraizada no próprio mistério da fé cristã. Para o Papa, essa atitude brota do Evangelho e da vida de Jesus, que se fez pobre e caminhou entre os marginalizados, e foi vivida com fidelidade pelas primeiras comunidades cristãs, que partilhavam os bens “de modo que entre eles não havia necessitados” (At 4,34). Assim, o amor aos pobres não é uma opção circunstancial, mas uma dimensão essencial da fé e da comunhão eclesial. Por isso, Leão XIV mostra que a atenção aos pobres não é uma inovação contemporânea, mas uma constante da vida e da missão da Igreja.

Recorrendo amplamente à Tradição patrística e monástica, o Papa evoca figuras como São Lourenço, Santo Agostinho, São João Crisóstomo e São Basílio Magno, para evidenciar que, desde os primeiros séculos, o cuidado dos pobres foi compreendido como ato de fé e expressão do amor a Cristo, e não como simples gesto moral ou social. A vida monástica, por exemplo, aparece como “escola de caridade”, e os mosteiros, como “lugares de refúgio e partilha”. Leão XIV recorda, assim, que a solidariedade evangélica é elemento constitutivo da identidade cristã e não fruto de circunstâncias históricas.

O texto também busca unir os últimos três pontificados — João Paulo II, Bento XVI e Francisco — num mesmo horizonte de amor social e espiritual, mostrando que o cuidado dos pobres é expressão da única fé da Igreja. Leão XIV reforça a dimensão transcendental da caridade: é preciso “estabelecer com Deus o Reino de justiça” antes de pretender construir estruturas sociais justas. A ação caritativa, portanto, não substitui o Evangelho, mas brota dele e o torna visível na história.

Há também uma importante menção à expressão “Igreja dos pobres”, retomando o Cardeal Lercaro no Concílio Vaticano II e o Papa Francisco (n. 84). A opção pelos pobres aparece, então, como consequência do amor de Cristo, que vê no pobre uma categoria teológica: amar o pobre é amar o próprio Senhor (cf. Mt 25,40).

Por fim, Leão XIV propõe uma Igreja que “saiba apenas amar”, não como idealismo ingênuo, mas como resposta teológica a tempos marcados por ódio, polarizações e fundamentalismos. O amor, enraizado em Cristo, é a única força capaz de reconciliar fé e história, oração e compromisso, transcendência e transformação social. Assim, Dilexi te é, ao mesmo tempo, continuidade e novidade: continuidade do magistério de Francisco e novidade do estilo espiritual de Leão XIV, que imprime ao texto um tom de unidade e reconciliação para uma Igreja chamada a redescobrir no amor aos pobres o núcleo do Evangelho.


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