Diácono Eduardo Bráulio Wanderley Netto
Paróquia de São Camilo de Léllis – Lagoa Nova – Natal
Arquidiocese de Natal
Estamos no tempo da Quaresma, que é um tempo para ser vivido na mais profunda realidade do eu. Frequentemente nos perguntamos sobre quem somos afinal. O encontro do eu com o eu mesmo é um grande exercício. Podemos nos perguntar, então: como vivo esse tempo? Onde está o meu coração?
O pecado nos desfigura. Quanto mais nos aproximamos, em nossas atitudes, de uma figura mitológica, ideal, mais afundados no pecado parece estarmos. Viver um personagem é afastar-se do eu real, com todas as fragilidades humanas. Eu sou uma pessoa falível, insuficiente e que busca incessantemente acertar para ajudar na construção do reino de Deus. A praga do espetáculo, no que se refere à tendência de nos mostrarmos acabados e perfeitos, causa uma projeção tão alta que acabamos por falhar em tentar ser o que projetamos ser para os outros. O perfecionismo deve ficar restrito ao tamanho de minha capacidade e nunca a uma imagem inalcançável.
A esmola interior. O ato de ajudar o próximo, em suas necessidades mais básicas, é um chamado cristão para todos. A resposta a esse chamado pode ser muito positiva, como foi para o samaritano que decidiu sair do caminho, interromper o trajeto, para estar com o ferido. Não teve medo de se contaminar com o sangue, mas teve a ousadia de tocar o irmão caído. De fato, nos preceitos judaicos, o sangue poderia contaminar quem o tocasse. Mas, na beleza do texto bíblico do bom samaritano, podemos ver que a mesma mão que se contamina é a mão que cura. Esse gesto de curar o outro, oferecendo um pedaço de pão, uma tigela de feijão, um remédio e um colchão para dormir é parte de uma fraternidade universal que somos chamados a viver com intensidade na Quaresma. A esmola dada com o coração é a oferta mais preciosa aos olhos de Deus.
O jejum como exercício de fortalecimento. Você alguma vez já passou fome? Não digo por causa de uma dieta ou mesmo de um exame que lhe impeça de comer por um tempo, mas por não ter um pedaço de pão. Quem passa pela experiência sabe que a fome dói, maltrata o físico e o psíquico. Ao propor a antiga tradição de evitar comer, mesmo que em um nível controlado em nossos tempos, estamos olhando o exercício como fortalecedor da fé. Quando nossas capacidades se esgotam só nos resta a fé. Podemos fazer tantos gestos de jejum, inclusive o da língua, para falar menos; o de prazer, para não comermos algo especialmente apetitoso para nosso paladar; o do ter, para refrearmos o nosso consumismo exagerado, extremado. Mas a experiência do jejum de alimentos, quaisquer que forem, significa dizer: por amor a Ti, eu vou até as últimas consequências. Nunca deixa de ser um grande exercício espiritual.
A oração como carinho. A oração é essa constante relação que temos com Deus. Vivida em Espírito e Verdade é agradável a Deus. A oração é um meio de nos sentirmos acariciados por Deus e respondermos com grande ternura. Por vezes precisamos de um espaço sozinho, mas também precisamos, outras vezes, de um espaço coletivo orante. A oração é a expressão mais genuína do coração que ama.
Por fim, podemos pensar em uma síntese. Encontrei na frase "Servir sem se servir" um bom resumo. Para servir é preciso se sentir servo e para tal é preciso alimentar-se com o Senhor, na oração. Servir também invoca oferecer algo, nossa esmola exterior acompanhada de nossa esmola interior, nosso coração compassivo. E sem se servir é uma espécie de jejum em que se abdica de um mutualismo, não explora o outro, ama sem precisar de reciprocidade. Felizes exercícios quaresmais!