A Quaresma é um tempo litúrgico de quarenta dias, no qual a Igreja nos convida a percorrer um caminho de conversão, mediante a penitência, a prática da oração, da esmola e do jejum, preparando-nos para a celebração da Páscoa do Senhor. Inspirada nas Sagradas Escrituras, a Quaresma remete ao simbolismo bíblico do número quarenta, que expressa um tempo de provação, purificação e preparação para uma nova etapa da história da salvação. Esse número aparece em momentos-chave da Revelação, como os quarenta dias do dilúvio (Gn 7,12), os quarenta anos de peregrinação do povo de Israel pelo deserto rumo à Terra Prometida (Nm 14,33-34; Dt 8,2), os quarenta dias da caminhada do profeta Elias até o Horeb (1Rs 19,8) e os quarenta dias e noites que Jesus passou no deserto, enfrentando as tentações, antes de iniciar sua missão pública (Mt 4,1-2; Mc 1,12-13; Lc 4,1-2).
A Quarta-feira de Cinzas inaugura a Quaresma com um rito profundamente simbólico: a imposição das cinzas sobre a cabeça dos fiéis. Esse gesto tem raízes na tradição bíblica, onde as cinzas eram sinal de arrependimento e conversão (Est 4,1; Jó 42,6; Dn 9,3). Na liturgia católica, esse rito ganhou uma dimensão mística e espiritual de grande relevância. Ao impor as cinzas sobre os fiéis, o sacerdote pronuncia uma das duas fórmulas bíblicas: "Lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar" (Gn 3,19), recordando a fragilidade humana e a necessidade de buscar a eternidade em Deus; ou ainda, "Convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15), reforçando o chamado à conversão e à adesão ao Reino de Deus. Com esse gesto, somos interpelados a realizar um processo de conversão a fim de morrer para o pecado e ressurgir com Cristo na Páscoa, inteiramente renovados.
Dessa forma, a Quaresma se configura como um itinerário espiritual que nos conduz à renovação interior e à comunhão plena com Cristo no mistério pascal. Durante esse tempo de graça, a Igreja nos exorta a realizar um caminho de conversão integral, que abrange tanto a transformação pessoal quanto o compromisso com a renovação da sociedade à luz do Evangelho.
No Brasil, há mais de 60 anos, a Campanha da Fraternidade (CF) tem sido um instrumento eficaz utilizado pela Igreja para vivenciar a Quaresma de forma concreta, unindo espiritualidade e compromisso social. A cada ano é proposto uma temática que desafia a fraternidade humana, convidando-nos à conversão expressa em gestos concretos. Em 2025, com o tema "Fraternidade e Ecologia Integral" e o lema "Deus viu que tudo era muito bom!" (Gn 1,31), a CF nos chama à conversão ecológica e ao cuidado da Casa Comum, em sintonia com a Doutrina Social da Igreja e a Encíclica Laudato Si’.
Entre os gestos concretos que podem marcar nossa vivência quaresmal dentro dessa perspectiva, destacam-se: o consumo responsável, reduzindo desperdícios e adotando hábitos mais sustentáveis; a coleta seletiva do lixo, promovendo a reciclagem e a redução da poluição ambiental; a valorização de práticas ecológicas, como a economia circular e o uso de fontes de energia renováveis.
Neste tempo de graça e salvação, somos chamados a unir a conversão espiritual à conversão ecológica, assumindo uma maior responsabilidade pelo meio ambiente e pelos mais vulneráveis. Que esta Quaresma seja um tempo de compromisso e transformação, conduzindo-nos a uma vida mais autêntica, solidária e em sintonia com a vontade de Deus. Ao final desse caminho, possamos celebrar a Páscoa com corações renovados e comprometidos com o cuidado da criação e do próximo, certos de que "Deus viu que tudo era muito bom" (Gn 1,31).