domingo, 20 de outubro de 2024

A vaidade e suas armadilhas

Por Dom João Cardoso

A palavra "vaidade" tem origem no latim “vanitas”, que significa "vazio" ou "oco", remetendo à ideia de algo ilusório e sem substância. No contexto filosófico e moral, está associada à busca por reconhecimento e elogios, refletindo um desejo fútil de autoexaltação. A vaidade é uma inclinação natural do ser humano por aprovação e reconhecimento social. Até boas obras podem ser realizadas com a intenção de obter elogios. No entanto, quando se torna a principal motivação de nossas ações, a vaidade nos desvia de valores mais autênticos e profundos.

Jesus nos adverte contra essa tendência de fazer o bem visando a aprovação social. As boas ações não devem ser praticadas e publicizadas com o intuito de receber elogios, mas sim realizadas de maneira discreta, com sinceridade, com o coração voltado para Deus, que recompensa todo bem, pois quem age para ser elogiado já recebeu sua recompensa (Cf. Mt 6,2-4).

A vaidade também nos ilude, levando-nos a acreditar que encontraremos felicidade em glórias e bens transitórios. O Livro de Eclesiastes aborda esse aspecto de forma profunda e filosófica: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade" (Ecle 1,2). E questiona: "Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol?" (Ecle 1,3). A visão do Coélet destaca a futilidade de dedicar a vida à busca de bens materiais e reconhecimento, pois, no final, a morte tornará inútil tudo o que acumulamos. Esse entendimento nos faz refletir sobre a fragilidade das metas humanas. O desejo incessante por riqueza ou fama não traz realização plena e nos distancia do que realmente importa: Deus e a vida eterna.

Santo Agostinho, nas Confissões, trata a vaidade como um pecado que pode levar à autodestruição moral. Ele recorda que, na juventude, não apenas cometia erros por prazer, mas também por vaidade. Sentia-se envergonhado de não ser tão torpe quanto seus companheiros e, para se igualar a eles, muitas vezes fingia pecados que não havia cometido. "Eu não o sabia, e me precipitava com tanta cegueira, que me envergonhava entre os companheiros de minha idade, de ser menos torpe do que eles... para que não parecesse mais abjeto quanto mais inocente" (Confissões, Livro II, Cap. III). Nesse caso, a vaidade torna-se destrutiva, pois o indivíduo busca a aceitação dos outros à custa de sua integridade moral.

Agostinho nos alerta que a vaidade leva ao vazio e à separação de Deus. A busca por prestígio, por meios dos bens transitórios, apenas aumenta o sentimento de insatisfação e nos afasta da verdadeira felicidade, que só pode ser encontrada em Deus. O apego às glórias mundanas cria um desvio que impede a alma de atingir seu fim último: o repouso em Deus. “Não seja vã, ó minha alma, nem ensurdeças o ouvido do coração com o tumulto de tua vaidade. Ouve também: o próprio Verbo clama que voltes, porque só acharás repouso imperturbável lá onde o amor não é abandonado, se ele não nos abandona antes” (Confissões, Livro IV, Cap. CX).

Blaise Pascal, em Pensées, também reflete sobre a vaidade, considerando-a uma expressão da fraqueza e da miséria humana. Todos os homens, independentemente de sua condição, buscam ser admirados. "A vaidade está tão enraizada no coração do homem, que um soldado, um servente, um cozinheiro, um carregador se vangloriam e querem ter seus admiradores; e até mesmo os filósofos os querem" (Pensées, n. 150). Ele critica essa tendência universal de buscar aprovação em coisas fúteis e temporárias, que nos afasta da nossa essência humana e da graça divina. Essa busca por reconhecimento e aprovação em coisas mundanas é um ciclo sem fim e nos leva apenas à frustração e ao vazio. A única solução para sair desse ciclo é redirecionar nosso foco para Deus, fonte de toda sabedoria e verdadeiro propósito.

A vaidade, sob suas diferentes formas, é um desafio constante. O desejo de ser amado, valorizado e reconhecido é inerente à nossa condição humana, mas, quando exacerbado, desvia-nos de nós mesmos. Para lidar saudavelmente com a vaidade e evitar cair em suas armadilhas, é essencial cultivar a humildade e buscar a aprovação de Deus, praticando o bem sem esperar elogios humanos.






Dom João Santos CardosoArcebispo Metropolitano de Natal

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