Por Pe. Matias Soares
A expressão é tomada do filósofo Byung-Chul Han, na sua obra “o espírito da esperança contra a sociedade do medo” (cf. pág. 30). Com ele, reassumo a perspectiva de que essa virtude é a proposta que precisa encontrar ‘eco’ nos tempos modernos. Logo após as grandes guerras mundiais (1914-18; 1939-45), tivemos a busca de bases morais para sustentar a fé na humanidade que tinha sido abalada pelos ultrajes praticados pelos regimes totalitários – comunista, nazista e fascista – e estes que, por sua vez, tinham destroçado países e ceifado milhões de vidas. Depois desta fase escura da nossa história o medo foi percebido nos contextos que sofreram direta, ou indiretamente, as consequências dos conflitos. A humanidade necessitava de valores transcendentais, seja pela via racional, ou religiosa, que elevassem-se a dignidade pessoal e coletiva da humanidade. Podemos constatar essa preocupação, seja na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), seja no Pensamento Social da Igreja. A esperança, mais uma vez, precisa transpassar a atmosfera do medo que existe nas sociedades contemporâneas. A situação pós-moderna já apresentava fenômenos que colocavam as pessoas em estado de permanente ‘ansiedade’. A pandemia agravou esse dado e o presente nos traz outras configurações de incertezas e desafios pessoais e globais. Nesse sentido, a virtude teologal da esperança é uma aposta, para os não crentes e os crentes, a ser feita para que superemos os medos e avancemos para um futuro onde haja lugar para a realização integral e integrante da Humanidade.
O mundo vive momentos de tensões políticas em todos os continentes. O Papa Francisco já denunciara que vivíamos “numa terceira guerra mundial em pedaços” (cf. L’Osservatore Romano – 22/12/2022). Desde à América Latina, o Oriente Médio, a Europa e a África, que sempre está com confrontos ditatoriais e tribais constantes. O mundo necessita que em todos os lugares promovamos uma cultura de paz. No Brasil, os cenários de violência cada vez mais são agravados e o Estado não tem o controle das situações de ordem, principalmente nas periferias das grandes cidades. O medo causado pelas ondas de violência tem desnorteado a vida dos cidadãos e das instituições. Em tempos de eleições, temos acompanhado cenas grotescas de ofensas, inclusive físicas, dos que se apresentam como opções para os poderes executivos e legislativos municipais. O caso mais emblemático – não o único – tem sido a constatação dos candidatos de São Paulo, que assumiram uma postura infeliz e pateticamente ultrajante daquela que deve ser a arte daqueles que têm a missão de governar, tendo em vista o bem comum e a justiça social. Este é o fim da política, como forma sublime de promoção da dignidade de cada ser humano e, nos nossos tempos, da nossa casa comum. Essa é a “política melhor e necessária” (cf. Papa Francisco, FT, cap. V).
O Magistério Social da Igreja, especialmente com a Pacem in Terris (cf. João XXIII, 16/04/1963) apresenta, num contexto tão delicado da modernidade para o cintilar da pós-modernidade, uma admoestação sobre a urgência da promoção da paz entre os povos “na base da justiça, da verdade, da caridade e da liberdade”, como o Pontífice afirmara: “Como representante – ainda que indigno – daquele que o anúncio profético chamou o ‘Príncipe da Paz’ (cf. Is 9,6), julgamos nosso dever consagrar os nossos pensamentos, preocupações e energias à consolidação deste bem comum. Mas a paz permanece palavra vazia de sentido, se não se funda na ordem que, com confiante esperança, esboçamos nesta nossa carta encíclica: ordem fundada na verdade, construída segundo a justiça, alimentada e consumada na caridade, realizada sob os auspícios da liberdade” (cf. Idem 166). Essa é uma perspectiva que pode e deveria ser assumida por cada homem e mulher de boa vontade. Os tempos atuais voltaram a ganhar as sombras nefastas das guerras. É urgente que falemos e testemunhemos o significado e o valor eminentíssimo da paz.
A política deve enveredar por este caminho, ou a própria perderá ainda mais o seu status e identidade. Com a globalização intensificada da economia, começou a existir o contraponto de que esta última assumiu o lugar da política nos ordenamentos sistêmicos da sociedade. É a economia que passou a dar as cartas. Os outros organismos sociais e, inclusive, os naturais tornaram-se reféns do que o mercado, com sua mão invisível e especulativa, deseja que aconteça. As críticas feitas ao sistema são tidas como ingênuas e descabidas, pois é esta única realidade que promove o desenvolvimento. O Papa Francisco denuncia que “assim como o mandamento ‘não matar’ põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social” (cf. EG, 53). Os dados globais que estão à nossa frente e acompanhamos, não é que haja um bem estar da maioria dos bilhões de seres humanos que vivem subdesenvolvidos por causa dessa lógica mercadológica: a busca pelo ter, as guerras insanas, os desequilíbrios ecológicos potencializados pela exploração suicida da nossa casa comum e as disparidades sociais entre miseráveis e bilionários são fenômenos que corroboram que o que vivemos é horrendo e perverso.
A política de esperança pode ser desenvolvida por cada ser humano de boa vontade. As consequências sociais em âmbito teológico, no contemporâneo, principalmente depois de “Teologia da Esperança”, com o teólogo Jurgen Moltmann, ressurgem na impostação da Teologia Política de J. Batista Metz e da Teologia da Libertação de Gustavo Gutierrez, dentre tantas outras teologias e autores contextuais. Contudo, há nos ambientes agnósticos e materialistas outras percepções que devem ser expostas, como é descrito no seguinte: “nos nossos dias, ela – a esperança – tem uma fama tão ruim quanto a nostalgia, que é mais ou menos o seu oposto. A esperança é um junco delgado, um castelo no ar, uma companhia agradável, mas um péssimo guia, um molho excelente, mas uma pouca comida” (cf. Terry Eagleton. “Esperança sem Otimismo”, pág. 58). O mesmo autor faz uma apresentação de outros pensadores que abordam o substantivo ‘esperança’ com suas variadas conceituações e possibilidades de desenvolvimento, tanto positiva, quanto negativamente (cf. Idem, pág, 58-122). Todavia, retomando o paradigma teológico, trago o ensinamento do Papa teólogo, Bento XVI, que fortemente influenciado pela teologia de Santo Agostinho, afirma que “devemos escutar com um pouco mais de atenção o testemunho da Bíblia sobre a esperança. Esta é, de fato, uma palavra central da fé bíblica, a ponto de, em várias passagens, ser possível intercambiar os termos ‘fé’ e ‘esperança’. Assim, a Carta aos Hebreus liga estreitamente a ‘plenitude da fé’ (10,22) com a ‘imutável profissão da esperança’ (10,23). De igual modo, quando a Primeira Carta de Pedro exorta os cristãos a estarem sempre prontos a responder a propósito do logos – o sentido e a razão – da sua esperança (3,15), ‘esperança’ equivale a ‘fé’”. O desenvolvimento de Bento será nessa linha de reflexão no todo da carta encíclica e é a marca identitária da esperança como força vital e performativa da existência cristã.
Em nossos tempos, os discursos religiosos têm perfurado cada vez mais os âmbitos sociais: desde as configurações da geopolítica, como no Oriente Médio, até as periferias das grandes cidades latino-americanas. No Brasil, os grupos neopentecostais estão a usar a política partidária para fortalecer seus meios de poder e influência. Uma nova ‘moda narrativa’ tem sido configurada, com a denominação de “teologia do domínio”. Um projeto de poder está sendo ventilado e fortemente desenvolvido a curto e longo prazo. Num país com uma situação precária de educação e racionalidade política, como a nossa, esse caminho está sendo trilhado com sucesso. O Brasil vive um momento de ‘infantilismo democrático’. As figuras que surgem como lideranças políticas não têm condições éticas, intelectuais e humanas de assumir o papel nobre de administrar e promover o bem público. O pior: Os poucos que aparecem com sinais de integridade e proposições positivas, não obtêm sucesso nas escolhas. Por isso, essa política da esperança, assim como configurou a abertura às transformações conjunturais, como ocorreu em configurações teológicas do passado recente, no hodierno pode nos levar a não cairmos no desanimo e no medo, como descreve Byung-Chul Han e nos lança o Papa Francisco ao nos convocar para viver um Jubileu com o tema: “Peregrinos da Esperança”.
Enfim, inseridos em nossos contextos, com o olhar aos sinais dos tempos, como cristãos, não podemos esquecer o que o Concílio Vaticano II já nos prescrevera: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história” (cf. GS, 1). O processo que devemos construir cotidianamente passa por esse ensinamento. A esperança cristã não nos afasta do presente. Não é algo da escatologia pré-moderna. Ao contrário. Ela nos mostra que o que desejamos antropologicamente do futuro, que é a plenitude da vida, já deve começar aqui e agora. Essa é a política da esperança que somos chamados a viver, testemunhar e buscar para cada um de nós, cada ser humano e, tenazmente, no contemporâneo, para nossa “Casa Comum”. Assim o seja!
Padre Matias Soares
Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório - Mirassol - Natal(RN)
Arquidiocese de Natal