Por Pe. Paulo Henrique
Introdução
1. Reconhecimento do papel de Maria na História da Salvação
Uma das grandes intuições, renovadas pelo concílio Vaticano II, apresenta a realidade da Igreja, da fé e, também, a reflexão sobre a fé, a Teologia, a partir da categoria de História da Salvação, Historia Salutis. De fato, não é uma categoria nova, criada como neologismo conciliar, mas provém dos Padres da Igreja. A História da Salvação é assim chamada porque apresenta a Economia da ação de Deus em favor dos homens e das mulheres. Deus, no seu infinito amor, quer fazer participar desse mesmo amor, ou seja, de sua vida, um ser que não fosse ele mesmo. Deus quer fazer com que um outro ser participe de sua relação. Quando Deus quer “dispensar”, isto é, conceder, outorgar, comunicar sua vida ou sua graça, Ele cria o homem. O homem é criado para participar de uma história de relação de Deus com este ser, o único que foi criado à sua imagem e semelhança.
História da Salvação quer dizer história da relação de Deus com o ser humano. Uma história marcada pelo que Deus é e pela condição humana: criaturalidade, mundanidade, sociabilidade, espiritualidade, liberdade, corporeidade, historicidade. Sabemos, ou deveríamos reconhecer isso, todas essas características existem no ser criado por Deus, antes mesmo do pecado, que não faz Deus desistir da sua obra, do seu desígnio de salvação. À pergunta, por que Deus não destrói o que criou, depois do pecado, e cria um novo ser humano, livre do pecado, respondemos: porque fomos criados à sua imagem e semelhança, porque esta condição é dada pelo seu amor, porque, como dizia Tertuliano, referindo-se ao texto de Gn 2,7: Quodcumque enim limus exprimebatur, Christus cogitabatur, homo futurus, o que se expressava no barro, na argila, se pensava em Cristo que haveria de fazer-se homem (cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et spes, n. 22).
O homem é, portanto, criado para fazer parte da História da salvação, pelo fato de existir e existir como manifestação do amor de Deus, isto é, pelo fato de que deve sua existência àquele pelo qual foi criado.
Do primeiro Adão ao Novo Adão, todos os homens e todas as mulheres são criados para integrarem a História da Salvação, para serem inseridos na relação com Deus. Embora, o homem necessite da revelação de Deus para saber quem é Deus, e que Deus não tenha necessidade do homem para ser o que Ele é, devemos afirmar: para que Deus revele seu ser para o homem, Ele cria o homem capaz dele, isto é, o homem é criado com as condições para ouvir a mensagem ou a palavra de Deus. Ouvir a palavra de Deus significa a conditio sine qua non, para que o homem tome consciência de sua relação com Deus. Será na escuta de Deus, na obediência que o homem se realiza (obediência, de ob-audire: ouvir de). O pecado não destrói esta condição, pois ela foi dada ao homem para que lhe constitua como imagem de Deus.
Toda a ação de Deus em fazer alianças ou pactos com os homens, e aqui é bom lembrar que Deus não faz aliança para uma relação unilateral, o singular indivíduo e apenas ele, mas sempre em comunidade, sempre para constituir um povo, ou dentro do povo eleito, tem o significado de realizar o seu desígnio, e que o pecado não impede Deus de o fazer. Aqui, reina o princípio atestado pelo anjo a Maria: para Deus nada é impossível, ou seja, nada obstaculiza o querer de Deus em agir segundo o seu amor[1]. Todos os que responderam ao chamado de Deus para colaborar na realização de seu plano, do seu desígnio são, portanto, membros da História da Salvação e tem um papel nesta História.
Claro que não é o papel de criação do desígnio, o homem não propõe a Deus o que Ele deve fazer, mas no sentido de que são instrumentos que Deus usa para fazer resplandecer o seu desígnio. E mais, somente enquanto membros do povo de Deus, ou somente porque tais instrumentos são já criados para entrar na relação com o Deus, Trindade de Amor.
Maria, mulher judia, membro do povo eleito, criada para receber a comunicação de Deus, isto é, chamada à relação com o Pai por meio do Filho e na virtude do Espírito Santo, assim entendemos a criação, é também chamada a um papel importante na História da Salvação: ser a Mãe do Verbo encarnado. Dai parte, chegaremos a concluir, toda a fundamentação da dimensão social e pastoral da fé mariana. Ser a Mãe do Salvador faz de Maria uma mulher que tem a ver com toda a realidade humana. Não no sentido de uma anterioridade divina, mas pela graça da participação na vida divina, o que toca a todos os seres humanos, e também por ser o instrumento querido por Deus para realizar seu projeto: todo projeto pastoral, em qualquer situação ou em qualquer realidade eclesial, deve partir disto: anunciamos um Deus da parte do ser humano, que quis e fez a união do divino e do humano, e chama alguns para serem instrumentos de cooperação na obra de Deus. E um ser humano, particularmente, concretamente, é exemplo de cooperação nesta obra de Deus: Maria de Nazaré.
(2ª parte na próxima semana)
[1] Para ulterior reflexão sobre Maria e Israel, ver a obra de Gerhard Lohfink, Maria non senza Israele, Ecumenica, Bari, 2000. Onde o autor apresenta uma mariologia dentro da teologia do povo de Deus.
Paulo Henrique da Silva
Diretor de estudos do Seminário de São Pedro
Diretor de estudos do Seminário de São Pedro
Arquidiocese de Natal