quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A realidade dura e a letargia do sonho de Davi

Por Diac.  Zé Bezerra

Nesta semana, em um dos muitos grupos de comunicação via WhatsApp, alguém postou uma fala do saudoso Dom Hélder Câmara, lembrando-se das comunidades de periferia em que ele celebrava, e ouvia o canto do Salmo 22/23,1 em que Davi exclama: “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará”. E Dom Hélder, logo a seguir, lamenta: “Eu olho e está faltando tudo”. E apela: “Nós temos que viver uma Igreja que reze, que ame a Deus, mas sem esquecer o próximo; que não fique apenas em amor de palavra, mas em amor de atos”.

Ouvindo estas palavras de Dom Hélder, eu me lembrei dos homens e mulheres ditos “moradores de rua” que vemos em Natal, Parnamirim, Mossoró, Caicó e em tantas outras cidades potiguares e de outros Estados, por este Brasil afora. Enquanto no Salmo Davi em que ele exalta Deus por “em verdes prados Ele me faz repousar”(Sl 22/23,2), esses homens e mulheres “moradores de rua” deitam-se e dormem ao relento, sobre as calçadas, debaixo de marquises de prédios, em várias partes da cidade na qual habitam. São os “sem teto”, “sem trabalho”, “sem lar”, “sem segurança”, “sem alimentos”...

Para eles não há Políticas Públicas nos planos e orçamentos dos governos nas três esferas; e na Igreja de Jesus Cristo são poucas as Dioceses e Paróquias que direcionam recursos para as Pastorais Sociais, de forma que possam atender a esses Filhos de Deus “sem tudo” e para os quais “falta tudo”. A Igreja, principalmente, para cumprir o “mandado” de Jesus Cristo, deveria seguir o conselho de Dom Hélder: “Uma Igreja que ame a Deus, mas sem esquecer o próximo”.

Esse é o ensinamento de Jesus Cristo, conforme narra São Mateus: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim”(conf. Mt. 25, 34-36).

Será que cada um de nós, cristãos, terá, ainda hoje, a coragem de perguntar a Jesus: “quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber, peregrino e te acolhemos, nu e te vestimos, enfermo ou na prisão e te visitamos”(Mt 25,37-39)? Lembremo-nos da resposta de Jesus: “(...) todas as vezes que fizestes isto a um desses meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”(Mt.25,40).

Faz-se necessário enxergar Jesus Cristo nesses “mais pequeninos” que vemos dormindo ao relento, sob uma marquise de prédio, suportando as agruras do frio, das chuvas e até da fome que “galopa” no passo lento e cambaleante de cada um desses filhos de Deus. É preciso que abracemos com a prática, e não só com cânticos e palavras bonitas, um agir para com estes pobres de Jesus, enxergar neles o próprio Jesus, a fim de que se torne verdade, em nossas vidas, esta parte do cântico de Davi, que diz: “conduz-me junto as águas refrescantes, restaura as forças de minha alma. Pelos caminhos retos me leva, por amor do seu nome”(Sl 23/24,2-3).

O sonho de Davi é bonito e desejável: “Preparais para mim a mesa bem à vista de meus inimigos. Derramais o perfume sobre minha cabeça e transborda minha taça. A vossa bondade e misericórdia hão de seguir-me por todos os dias de minha vida. E habitarei na casa do Senhor por longos dias”(Sl 222/23, 5-6).

Quando será que sairemos da letargia do sonho de Davi?




Diácono José Bezerra de Araújo
Assistente Eclesiástico da Pastoral da Comunicação
Arquidiocese de Natal

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