Pe. Paulo Henrique da Silva
Diretor de Estudos do Seminário São Pedro
Arquidiocese de Natal
Introdução – o de Lucas 10,25-37 é conhecido como a “parábola do bom samaritano”. É uma resposta à pergunta sobre o sentido da Lei, da vida e da vida eterna. Jesus está a caminho para Jerusalém (cf. Lc 9, 51). Quer passar por um povoado de samaritanos, mas é rejeitado (cf. Lc 9, 53). O diálogo de Jesus com o doutor da Lei acontece depois da volta dos 72 (cf. Lc 10, 1s.17) que foram enviados dois a dois em missão. O mandamento do amor a Deus e ao próximo está intimamente ligado à missão.
1. A Palavra lida (Deus nos fala)
São Lucas é visto como o Evangelista que apresenta Jesus cheio de compaixão e misericórdia. Algumas parábolas são próprias dele, como o Filho pródigo, a ovelha perdida, a moeda perdida. Também a parábola do bom samaritano, própria dele, nos indica uma atitude de compaixão que nós devemos ter em relação aos irmãos e irmãs.
a) Um doutor da Lei – não é o único caso em que um doutor da Lei ou um fariseu vem fazer perguntas a Jesus. Temos os outros exemplos: // Mt 22, 34-40; Mc 12, 28-34; ^^ Mc 12, 13-17. Em alguns casos para experimentar Jesus.
b) “Que devo fazer para herdar a vida eterna?” – pergunta crucial e fundamental. Encontramos a mesma pergunta em Mt 19, 16-26 e Mc 10, 17-27. É a pergunta do (jovem) rico que não consegue deixar seus bens para seguir Jesus. Herdar a vida eterna consiste em encontrar a salvação.
c) O que está escrito no Lei? – a Lei ou os mandamentos, primeiro instrumento de salvação. Aqui é citado o mandamento principal, que se encontra em Dt 6, 5; 10, 12; Js 22, 5; completado por Lv 19, 18; cf. também: Mt 5, 43; Rm 13, 9; Gl 5, 14.
d) Boa resposta, elogio de Jesus e conselho: Faze isso e viverás.
e) Mas, quem é o próximo? – o Evangelho afirma que o doutor da Lei faz a pergunta querendo justificar-se. Parece que a resposta de Jesus não lhe é suficiente.
f) A parábola – certo homem descia de Jerusalém – é um judeu? Um homem qualquer, anônimo, sem indicação de pátria nem oficio, vítima indefesa de salteadores.
g) Um sacerdote e um levita – são funcionários do culto, atentos às prescrições de pureza ritual (cf. Lv 21, 1.11). Passam pelo outro lado. Não se aproximam. Não querem se contaminar.
i) Mas um samaritano – meio pagão, gentílico que é quase um insulto para um judeu (cf. Jo 8, 48). Mas “compassivo”, solícito, generoso, tanto que a tradição o distinguiu com o título de “Bom Samaritano”.
2. A Palavra meditada
a) A vida eterna – é a salvação propriamente dita. É o fim da criação. Tudo foi criado para receber a vida eterna. Para Jesus a vida eterna está escrita, testemunhada na Escritura. É a Revelação divina, testemunhada pela Palavra sagrada. Lá, encontramos o que Deus tem para nós.
b) Jesus é a própria vida eterna: Jo 17, 1c-3. Porque Ele é a plenitude da Revelação (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 65).
c) Amarás o Senhor, teu Deus... – é o Mandamento por excelência. É o mandamento principal. Em Dt 6, 5 encontramos um belíssimo texto que é a famosa profissão israelita, oração de todos os dias, que se completa com Nm 15, 37-41 e Dt 11, 18-21. é conhecida pela primeira palavra: “Shemá”, que quer dizer “escuta”. Para herdar a vida eterna só precisamos ouvir o que o Senhor Deus nos manda: amar. Amar.
d) E teu próximo como a ti mesmo – encontramos em Lv 19, 18 essa prescrição. Jesus a cita no Sermão da Montanha (cf. Mt 5, 43). São Paulo considera que os mandamentos se resumem no mandamento: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (cf. Rm 13, 9; Gl 5, 14.
e) É a síntese de todos os preceitos (613 na conta dos rabinos) em dois. A mesma síntese é feita por Jesus em Mt 22, 37-40 e em Mc 12, 28-31.
f) O samaritano – age com compaixão. Ao contrário o sacerdote e o levita agem separando compaixão e culto. Deviam estar ligados. A tensão entre culto e ajuda ao próximo, justiça social, é uma constante no AT, profetas, sapienciais, salmos 9 (Is 1, 10-20; Jr 7; Sl 50; Eclo 34,18-35, 10).
g) O próximo – o termo grego corresponde a um hebraico, que significa vizinho (Pr 25, 17; 27, 14) ou amigo (Pr 27, 9; 17, 17; Eclo 37, 1-6). É conceito de relação recíproca, que inclui dois correlativos: um considera e trata o outro como próximo = amigo. Isso explica o deslocamento da resposta, com relação à pergunta: quem é meu próximo? Quem se comportou como próximo? É preciso tomar a iniciativa, é preciso tornar-se próximo do necessitado. A resposta de Jesus não é teórica: sua palavra quer educar na arte de tornar-se próximo.
3. A Palavra contemplada na nossa vida
a) Também para nós a vida eterna consiste em fazer o que o mandamento do amor manda.
b) Considerar a necessidade de unir sempre culto e compaixão, fé e vida. Para nós amar o próximo é indispensável. Sua união com o mandamento: Amar a Deus é indissolúvel.
c) Somos convidados a viver assim. Sigamos as palavras de São João na sua primeira carta: cf. 1Jo 4, 7-21.
c) Como discípulos de Jesus a palavra de ordem é: AMAR. Meditemos o Sermão da Montanha (Mt 5–6–7).
d) Amar o próximo se fundamenta no Amor de Deus por nós. Somos amados por Deus e por isso podemos amar. Nisso consiste toda a Revelação. A vontade de Deus é esta. Amá-lo de todo o coração e com todas as forças e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que holocaustos e sacrifícios (cf. Mc 12, 32-34).
e) Vai e faze tu a mesma coisa – é o que Jesus quer. Ser “bom samaritano” é ser como Ele. Jesus chega perto de nós, nos olha e move-se de compaixão. Nós somos este homem que cai nas mãos dos assaltantes, do mal, do pecado, do demônio, mas o Filho de Deus vem em nosso socorro, trata nossas feridas, trazendo-nos perdão e reconciliação. Ele leva-nos a pensão, a Igreja casa de pecadores acolhidos e sanados. Ela toma conta de nós até a sua volta, quando Ele vier em sua glória, para pagar tudo o que tiver gasto a mais, cumulando a Igreja de glória e esplendor.
f) Diante do mal que nos afeta, o homem caiu nas mãos dos assaltantes, arrancaram-lhe tudo, espancaram-no e deixaram-lhe quase morto, qual a nossa atitude? Podemos dizer que esse é um terceiro grau de mal. “Mal-paixão”, cujo exemplo é o próximo da parábola. Um primeiro grau nos mostra um “mal-ação” – é a figura do Demônio – diante da qual deve-se entender a absoluta culpabilidade. Para esse grau Jesus diz: “Vade retro, Satanas”. O segundo grau é o “mal de pecado”, de consentimento e de queda. É um mal situado entre o agir e o sofrer. Pode ser grave, principalmente em seus resultados, e pode ser devido a uma responsabilidade: ele não vai mais longe do que o mal que o homem conhece ou comete – pois aqui é o exemplo é ele – não é senão um mal secundário em relação ao mal radical. Para esse grau a palavra de Jesus é: “Vade et iam noli peccare”. O significado de mal-paixão é o que nós somos chamados a fazer. Aqui é um mal tal qual ele é carregado em favor de um outro (qui tollis) e por um outro. É a figura do próximo-Samaritano e do Cordeiro de Deus: mal que alguém sofre, carrega (qui tollit) e que é totalmente estranho a ele; mal que esse alguém sofre (compaixão); mal que esse alguém aceita por (paixão de) amor; enfim, paixão que se torna Paixão. Nesse terceiro grau, a virulência do mal é pervertida: o mal é derrotado, mas não por um ato mágico e exterior, mas descendo ao seu próprio inferno. Diante disso a palavra de Jesus é: “Vade, et tu fac similiter”. (Segundo o livro: O mal, de Adolphe Gesché, Paulinas, 2003)