Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta
Arquidiocese de Natal
Certo de que “A credibilidade do anúncio cristão seria muito maior, se os cristãos superassem as suas divisões e a Igreja realizasse a plenitude da catolicidade que lhe é própria naqueles filhos que, embora incorporados pelo Baptismo, estão separados da sua plena comunhão e que, portanto, “devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos, e peregrinamos juntos”, logo, para isso, devemos abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus”[i], O Papa Francisco nos presenteia com a definição de que “o ecumenismo é uma contribuição para a unidade da família humana”[ii].
Assim sendo, o ecumenismo pode ser considerado como um processo de diálogo, cooperação e busca pela unidade entre as diferentes tradições cristãs, objetivando “promover a compreensão mútua, superar divisões históricas e teológicas, e buscar a unidade visível entre as diversas tradições cristãs. Ele procura alcançar essa unidade com base naquilo que é comum à fé cristã, como a crença em Jesus Cristo como Salvador e Senhor, a aceitação dos sacramentos e a busca pela justiça e paz no mundo”[iii].
A importância do ecumenismo reside, assim não apenas na promoção da paz e cooperação entre comunidades cristãs, mas, também, na construção de entendimento que transcendem diferenças doutrinárias e culturais e, ao oferecer uma plataforma para o diálogo, o ecumenismo desafia preconceitos já sedimentados e estereótipos nocivos, promovendo uma maior valorização da diversidade cristã.
Notemos que, por sua definição, objetivo e importância, o ecumenismo, certamente, enfrenta, em seu processo dialogal, obstáculos de difícil superação como o fundamentalismo religioso e a polarização ideológica que, ao crescerem, exacerbaram as divisões movidas pelas diferenças religiosas e doutrinárias, alimentando a desconfiança e o antagonismo intra e entre as comunidades de fé, promovendo uma visão exclusivista e intolerante da verdade religiosa, dificultando, assim, o diálogo e a cooperação inter-religiosa. Vale registrar, também, que não é incomum a constatação de que o fundamentalismo religioso manifestado como uma rejeição dogmática das crenças e práticas dos outros, é o fator determinante da mentalidade do “nós versus eles” que mina os esforços pela reconciliação e harmonia entre pessoas de fé[iv].
Da mesma forma que o ecumenismo, o diálogo inter-religioso, definido como a relação entre religiões e grupos religiosos, buscam a superação de divisões e conflitos religiosos, de fora a promover uma cultura de paz. É importante, no entanto, reconhecer que o ecumenismo e o diálogo inter-religioso não são idênticos, mas, sim, complementares. Enquanto o ecumenismo se concentra especificamente na busca pela unidade dentro do cristianismo e no diálogo entre diferentes denominações cristãs, o diálogo inter-religioso abrange uma gama mais ampla de tradições religiosas, incluindo as de matrizes africanas, o judaísmo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo, entre outras, embora, também, tenha que enfrentar os obstáculos marcados pelo fundamentalismo e a polarização ideológica.
Concretamente o que estamos definindo como obstáculos de difícil superação pelo ecumenismo e o diálogo inter-religioso, o fundamentalismo religioso e a polarização religiosa, segundo Valdemar Figueiredo[v], podem ser observados em quatro grupos religiosos: os Islamistas, na figura do estado islâmico, os integristas católicos (o que costumamos chamar de extrema direita católica), os fundamentalistas protestantes (pentecostais e neopentecostais) e judeus ultraortodoxos. Em comum, essas vertentes religiosas podem ser caracterizadas pela concepção de que a sociedade moderna seria uma sociedade “sem Deus” que se converte numa sociedade “contra Deus”.
Apesar de essas vertentes religiosas radicais serem diferentes no que diz respeito às doutrinas e crenças, que as caracterizam como fundamentalistas, alegam que os fracassos da modernidade têm relação direta com a ausência de Deus. Portanto, alijar Deus das decisões centrais na política e o alienar da vida social resulta em mazelas naturais, miséria social e econômica, vícios e desvio moral. Assim sendo, as insatisfações com a modernidade decorrem da arrogância humana que se colocara no lugar de Deus.
No Brasil, país com mais de 80% da população que se declaram cristãos, conforme o censo demográfico de 2022, é possível observarmos essa manifestação extremista radical entre os fundamentalistas protestantes e a extrema direita católica, ao mesmo tempo em que, por conta de uma convergência ideológica compartilham as mesmas reivindicações políticas no Estado. Esse é o caso da PEC 05/2023 que se aprovada, de acordo com o substitutivo votado pela Comissão de constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, as denominações religiosas desfrutarão de imunidade fiscal e, sorrateiramente, passarão a usar essa imunidade fiscal para interferir nas políticas públicas, as orientando de acordo com as doutrinas religiosas respectivas.
Esse ecumenismo político, cujo objetivo mostra-se não compatível com o verdadeiro objetivo ecumênico, insistentemente, defendido pelo Papa Francisco, é mais um dos motivos para que combatamos e rejeitemos a PEC 05/2023 e, contrariamente, nos coloquemos sempre a favor de ações que promovam a igualdade e a dignidade humana.
[i] Papa Francisco. “Evangelii Gaudium”. nº 244.
[ii] Papa Francisco. “Evangelii Gaudium”. nº 245.
[iii] Disponível em https://cnbbsul1.org.br/categorias/pastoral/ecumenismo-e-dialogo-inter-religioso-pastoral/. Acessado em 05/02/2025.
[iv] Para um maior detalhamento dos obstáculos enfrentados pelo ecumenismo, ver https://www.cese.org.br/blog/ecumenismo-o-que-e-conceitos-e-ponto-de-vista-biblico/#:~:text=Originado%20do%20termo%20grego%20oikoumene,passagem%20de%20Jo%C3%A3o%2017%3A21. Acessado em 05/02/2025.
[v] FIGEUREDO, V. “Religiosos extremistas: estranho ecumenismo político”. Disponível em https://iclnoticias.com.br/religiosos-extremistas-estranho-ecumenismo-politico/. Acessado em 05/02/2025