sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Consumo responsável e ecologia integral (Artigo de Dom João)


Dom João Santos Cardoso
Arcebispo Metropolitano de Natal



Os efeitos da crise climática tendem a se agravar caso persistam os modelos atuais de produção e consumo. O aquecimento global, impulsionado pelo consumo excessivo, tem consequências devastadoras especialmente para os mais pobres. A sociedade contemporânea, marcada pelo consumismo desenfreado, compromete não apenas a sustentabilidade do planeta, mas também a integridade da pessoa humana. A mesma lógica que transforma a natureza em mercadoria também mercantiliza as relações humanas, reduzindo tudo a mero objeto de consumo.

Nosso estilo de vida está entre os principais fatores de impacto ambiental. A sociedade nos molda como consumidores vorazes, impulsionados por uma cultura que incentiva o desperdício. O consumo responsável surge, então, como um imperativo ético e ecológico, promovendo um estilo de vida baseado na sobriedade e na moderação. Ele incentiva o uso consciente dos recursos naturais e reafirma nosso compromisso com o cuidado da casa comum. Em contraposição ao consumismo, que degrada o meio ambiente e desumaniza as relações, o consumo responsável resgata a partilha e a sustentabilidade como valores fundamentais.

O Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, denuncia os efeitos nocivos da cultura do descarte e da exploração predatória dos recursos naturais, alertando que "a terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo” (LS, 21). A exortação apostólica Laudate Deum reforça esse alerta, afirmando que "os ataques à natureza têm consequências na vida dos povos” (LD, 3). Francisco propõe uma "conversão ecológica global", destacando a interdependência entre todas as criaturas e a necessidade de um novo paradigma econômico e social, baseado na justiça ambiental e em um estilo de vida sóbrio e austero. Como pontua a Laudato Si’, "toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades” (LS, 5).

O conceito de ecologia integral, proposto pelo Papa Francisco, contrapõe-se à lógica destrutiva do consumismo. Ele defende não apenas a proteção ambiental, mas uma transformação completa das relações sociais, econômicas e culturais. E, na Laudato Si’, aponta que "a humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam” (LS, 23). O progresso humano autêntico deve respeitar tanto a dignidade humana quanto o equilíbrio ecológico.

Apesar do aumento da conscientização ecológica, ela ainda é insuficiente para modificar os padrões nocivos de consumo. "Cresceu a sensibilidade ecológica das populações, mas ainda não é suficiente para mudar os hábitos nocivos de consumo, que não parecem diminuir; pelo contrário, expandem-se e desenvolvem-se” (LS, 55). Diante desse cenário, o consumo responsável se apresenta como um ato de resistência contra a lógica predatória da sociedade de consumidores. Ele se baseia em princípios fundamentais, tais como: consciência crítica, que permite questionar a real necessidade das compras e avaliar o impacto ambiental e social dos produtos adquiridos; valorização do essencial, que promove a sobriedade voluntária, evitando o consumo impulsivo e descartável; economia circular, que prioriza produtos recicláveis, reutilizáveis e sustentáveis; comércio justo, que apoia produtores locais e empresas comprometidas com a justiça social e ambiental; e educação para a sustentabilidade, que incentiva práticas voltadas à promoção de uma relação harmoniosa entre humanidade e natureza.

A Laudato Si’ reforça que "tudo está interligado” e que as escolhas individuais impactam o futuro coletivo. Portanto, é urgente abandonar o consumismo irresponsável e adotar uma nova cultura de cuidado e partilha. "O mundo não pode ser analisado concentrando-se apenas sobre um dos seus aspectos” (LS, 6). Somente por meio dessa mudança de mentalidade será possível construir uma sociedade verdadeiramente justa e sustentável.

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