Por Pe. Leonardo Lucian Dall’Osto*
*É presbítero pertencente ao clero de Caxias do Sul (RS). Graduado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). É mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutorando em Teologia pela Pontificia Università Gregoriana de Roma.
Eis o artigo:
Virou moda nos últimos anos católicos e evangélicos preocuparem-se com a celebração do Halloween, chamada popularmente de “dia das bruxas”. A festa é literalmente demonizada, como uma espécie de adoração ao demônio (demônio como se compreende a partir da visão cristã, claro), portanto celebrar essa festa seria uma “armadilha” do diabo para enganar as pessoas e fazê-las adorar ao Maligno.
Não vou entrar no mérito da origem da festa, muito mais antiga do que possamos imaginar, remetendo a tradições pré-cristãs. Aqui interessa apenas fazer uma pequena reflexão sobre a “periculosidade” dessa festa. A expressão halloween “All Hallows’ Eves”, literalmente “véspera de todos os santos”, remonta a uma adaptação de uma antiga festa céltica ao ambiente homogeneamente cristão medieval.
No ambiente católico All Saints Day, “Dia de Todos os Santos” era e ainda é celebrado no dia 01 de novembro, provavelmente também já tendo em conta fazer uma contraproposta cristã à festa de origem pré-cristã. No ambiente pós-reforma, desaparece a festa do “Dia de Todos os Santos”, mas culturalmente sobrevive o Halloween. Porém, essa festa culturalmente pré-cristã é um problema espiritual ou apenas uma jogada de marketing? Então, essa é a questão: tem muitos religiosos afirmando que nesse dia se invocam as forças das trevas, que os satanistas fazem adorações ao diabo, que as crianças ficam suscetíveis ao poder do mal, etc.
As origens dessas informações são, em geral, oriundas de religiosos bem exaltados. Gente que usa como argumento a “opinião de exorcistas”, de ex-satanistas e outras fontes bastante questionáveis e, assim, demonizam aquilo que não faz parte da tradição cristã. Particularmente penso que muito mais do que o diabo o que está por trás do Halloween, celebrado em todo o mundo, seja um poder real bem mais concreto: o mercado. Aliás, como dizia o Pe. Libanio ninguém exige tantos sacrifícios como o “deus mercado”, vide as guerras atuais.
Num ambiente cristão, demonizar uma festa é algo perigoso. Num passado não tão distante, demonizamos celebrações e pessoas e isso gerou dor e morte. Basta imaginar que a festa de Halloween, também é chamada de “dia das bruxas” e que a bruxa, no imaginário popular está ligada ao demônio. Por conta dessa ligação entre a bruxaria e o demônio (muito por culpa de um sociopata chamado Heinrich Kramer que escreveu o Malleus Maleficarum), milhares de mulheres foram perseguidas, torturadas e mortas nos ambientes cristãos em plena modernidade. Demonizar o diferente causa muitos estragos. Basta ver como hoje ainda tem cristãos que demonizam as religiões de origem africana a partir dos mesmos preconceitos, considerando suas entidades como demônios.
Por fim, penso que Halloween é uma jogada de marketing e que não faz parte do nosso modo de ser brasileiro. No entanto a cultura está em processo continuo de evolução e talvez, no futuro, essa será uma festa “assimilada” por nós. Contudo penso que dia 31 de outubro, o dia de Halloween, poderia ser para nós um dia “penitencial”. Para não cairmos no erro de voltar a perseguir pessoas, olhemos para o nosso passado e peçamos perdão pelo mal que causamos a partir do nosso fanatismo religioso. Nunca queimamos ou enforcamos bruxas, queimamos e enforcamos mulheres. Nos ajudará muito celebrar todos os santos olhando para a nossa história e perceber que não somos todos santos, tão pouco nossa história foi santa. As “bruxas” que queimamos são uma recordação de que em muitos momentos estivemos mais ao lado do diabo do que de Deus.