No primeiro capítulo, intitulado “A Importância do Coração”, o Papa Francisco faz uma abordagem fenomenológica do coração como símbolo de autenticidade e profundidade. Inspirado em diversos autores e tradições filosóficas, incluindo a Bíblia e filósofos como Heidegger, o Papa busca recuperar o coração como “centro unificador” do ser humano. “Tudo está unificado no coração, que pode ser a sede do amor com todos os seus componentes espirituais, emocionais e também físicos” (DN 21). O coração é apresentado como o local onde a pessoa encontra sua verdade e se abre para a experiência de amor mais plena e autêntica. Francisco argumenta que, em um mundo marcado pelo excesso de racionalidade e individualismo, há uma perda de conexão com o centro espiritual e emocional do ser humano, o que leva a uma “sociedade sem coração”.
O Papa explica que o coração não é apenas o símbolo das emoções, mas o núcleo essencial da pessoa, onde se forjam as decisões e intenções verdadeiras. A Encíclica utiliza exemplos bíblicos, como o diálogo entre Dalila e Sansão, para ilustrar como o coração reflete a verdade interna e a sinceridade das intenções. O Papa Francisco adverte contra uma sociedade obcecada por aparências e superficialidades, que oculta a essência humana, e incentiva um retorno às questões fundamentais que emergem do coração: “Quem sou eu? O que realmente desejo? Que sentido quero para minha vida?” (DN 8). Essas perguntas conduzem a uma reflexão sobre a importância de viver a partir do coração, que se torna o princípio unificador da existência humana.
Além disso, o Papa relaciona o coração ao vínculo de comunhão entre as pessoas e o divino. Ele observa que, embora o pensamento racional tenha sua importância, apenas o coração pode unir e harmonizar os diferentes aspectos da vida humana. O coração, ao contrário da mente, não é facilmente manipulado, nem por algoritmos digitais nem por sistemas de poder, e é através dele que se experimenta a verdadeira liberdade e dignidade. Francisco defende que esse centro interior é o que possibilita a poesia, o encontro sincero com o próximo e a superação do individualismo exacerbado (DN 9-12).
No contexto de uma “sociedade líquida”, em que os laços humanos e o sentido de pertença se desmancham, o Papa faz um apelo para que cada pessoa “tenha um coração”. Segundo ele, a cura dos males contemporâneos começa na redescoberta do coração como espaço sagrado e como a verdadeira morada do amor. Em última análise, Dilexit Nos sugere que, ao entrar em comunhão com o Sagrado Coração de Jesus, o ser humano encontra não apenas sua própria identidade, mas também a capacidade de amar plenamente e se abrir para a misericórdia divina.
Dom João Santos CardosoArcebispo Metropolitano de Natal