segunda-feira, 9 de setembro de 2024

O canto da sereia da solução tecnológica

Por Diác. Paulo Felizola

Premidos pela proximidade da COP, que será realizada no Brasil, em 2025 e pelos eventos climáticos ocorridos no Rio Grande do Sul e os que atualmente estão dizimando o meio ambiente, principalmente nas regiões centro-oeste e norte do país, no dia 21/08, os poderes da república brasileira resolveram firma um pacto que intitularam de Pacto pela Transformação Ecológica (PTE) na esperança de que possa representar um compromisso de atuação conjunta, harmoniosa e integrada pela promoção da transformação ecológica, a partir de medidas legislativas, administrativas e judiciais, visando a sustentabilidade ecológica; o desenvolvimento econômico sustentável; a justiça social, ambiental e climática; a consideração das crianças e das gerações futuras; resiliência a eventos climáticos extremos.

Na carona desse pacto alguns empresários e economista, no dia 28/08, divulgaram um documento chamado de Pacto Econômico com a natureza no qual lemos: “Precisamos colaborar com o executivo na estratégia de combate ao desmatamento ilegal e na recuperação de áreas degradadas. Precisamos contribuir como o legislativo na criação de leis que disciplinem o licenciamento ambiental e protejam as florestas. Precisamos incentivar um Judiciário atuante na defesa do direito constitucional ao meio ambiente, algo em que o Brasil, aliás, foi pioneiro e referência. Precisamos dos Três poderes alinhados – tanto no diagnóstico das oportunidades e riscos pela frente, como no compromisso em torno de um programa que faça do Brasil uma potência de soluções sustentáveis”.

Mais adiante os empresários se autodenominam os responsáveis por acelerar a adaptação da economia à nova realidade do clima, alegando que as atuais fontes de geração de riqueza no país estão em risco e que uma mobilização de conformidade ambiental dará acesso a mais recursos e mercados. Consequentemente dizem que: “O empresariado e os três poderes precisam se unir o quanto antes para encarar esse desafio, em uma coalizão em defesa do nosso meio ambiente, da nossa economia e da prosperidade da nossa população”.

A leitura atenta e contextualizada desses dois documentos nos revela um equívoco e por outro lado um oportunismo.

Explico.

Segundo o que consta no art. 1º do Pacto pela Transformação Ecológica, o objetivo em alcançar um desenvolvimento econômico sustentável deverá ser alcançado através da “criação e difusão de inovações tecnológicas em processos produtivos para a obtenção de ganhos de produtividade e a geração de empregos de qualidade, com foco na adoção de um modelo de economia circular, no uso sustentável dos recursos naturais nas perspectivas ambiental e social, no estímulo às novas economias da natureza e à bioeconomia e no investimento em fontes de energia renovável, com a busca da universalização do seu uso.”

Dessa forma, o PTE pretende desencadear o processo de desenvolvimento econômico sustentável desejável através do paradigma tecnológico, caracterizado pelo incentivo à criação e desenvolvimento de novas tecnologias e hábitos de consumo que agridam menos o ambiente e usem menos recursos não renováveis, usando o consumo como critério de medir o padrão de vida. Assim sendo, essas novas tecnologias gerariam novos negócios para as empresas capitalistas e, através dos mecanismos distributivos do mercado, todos sairiam ganhando.

Acontece que, como historicamente já está comprovado, o mecanismo distributivo do mercado tem se revelado um modelo concentrador de renda, de exclusão social, de sacrifícios de vidas humanas e de destruição de culturas locais. Portanto, a opção feita pelo PTE, embora reconheça o problema ambiental e até consiga manter o ambiente natural em nível sustentável, na verdade não passa de um instrumento ideológico da expansão do capitalismo que, em seu processo, ignora a brutal concentração de renda geradora da maior desigualdade social da história e a exclusão social de uma parcela significativa da humanidade. Assim sendo, o PTE revela-se um grande equívoco, pois ignora que o desenvolvimento sustentável só poderá ser alcançado quando a pessoa humana, em sua dignidade, for colocada no centro do processo, não como um mero ofertante de força de trabalho, mas como o principal beneficiário da riqueza produzida por suas próprias mãos.

Por outro lado, uma cuidadosa leitura do documento intitulado Pacto Econômico com a natureza (PEN), nos revela, nada mais, nada menos, um oportunismo deslavado dos signatários do documento. Observemos, primeiramente, que o pacto dos empresários foi divulgado a exatos sete dias após a assinatura do PTE, que não contempla a classe empresarial como um dos protagonistas, mas, implicitamente, os coloca na situação de coadjuvantes. É nessa condição que os empresários lembram aos poderes da república que, pela opção feita de buscar o desenvolvimento econômico sustentável pela via do paradigma tecnológicos, eles devem ser os principais atores, pois sem que eles estejam no centro das realizações nada acontecerá já que, sem a consideração de suas expectativas de ganho, de restruturação da máquina produtiva e do estabelecimento das relações de trabalho adequadas, toda e qualquer tentativa de mudar o padrão da oferta estará inviabilizada. No contexto do sistema de “mercado divinizado”, não podemos negar que os empresários, ao se apresentarem como protagonistas no processo proposto pelo PTE, nos termos do PEN, estão reivindicando o lugar que lhes é devido.

No entanto, muito além dessa reivindicação de protagonismo, os empresários sabem que sem que eles sejam parte ativa na realização do projeto de desenvolvimento econômico sustentável proposto pelo PTE, perderão a oportunidade de maximização no usufruto dos recursos públicos a serem disponibilizados, pois terão um grau de dificuldade maior nas negociações a respeito do direcionamento e do custo desses recursos. Eles não admitem serem excluídos da partilha do butim, por isso se oferecem como bem feitores indispensáveis.

É assim que funciona o mercado divinizado.

REFERÊNCIAS

Pacto pela Transformação Ecológica entre os Três Poderes do Estado Brasileiro.
Disponível em www.in.gov.br

Empresários e economistas assinam pacto pela natureza para enfrentar mudanças climáticas. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/




Diácono Paulo Felizola de Araújo
Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta(RN)
Arquidiocese de Natal

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