Por Pe. Paulo Henrique
1. A posição equilibrada do Concílio Vaticano II: Lumen gentium e Gaudium et spes
Não será aqui necessário apresentar uma história da aventura conciliar em relação à elaboração do capítulo VIII da Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium. Apenas alguns acenos, na esperança de que todos reconheçam que aconteceu um bom equilíbrio: alguns bispos queriam que o Concílio produzisse um documento à parte sobre a Bem-aventurada Virgem Maria. Outros queriam inserir a reflexão sobre a Mãe de Jesus no esquema De ecclesia, que contou com a argumentação de teólogos renomados, como Karl Rahner (1904-1984). Passou, de fato, a segunda opção. Acertadíssima, claro. A Mãe do Senhor não pode ser vista senão na relação com Cristo e a Igreja. É o membro mais eminente, certamente, mas o clima teológico exigia uma renovação da Mariologia, que não fosse uma exagerada apresentação da devoção à Mãe de Deus, que fizesse dela quase uma deusa, isto é, era necessário que a Mariologia se baseasse na Revelação, pois todo dogma, e incluso os dogmas marianos, estão todos sob e não sobre a Palavra de Deus, conforme a Constituição dogmática sobre a Revelação divina Dei Verbum. Tornar a Mariologia dependente da Cristologia e na relação com a Eclesiologia renovou a própria Mariologia. Além de ser uma apresentação que respeita o diálogo ecumênico.
Essa apresentação da Virgem Maria no mistério de Cristo e da Igreja torna a figura de Maria indispensável para a correta interpretação do desígnio de Deus. Maria é a pessoa humana, crente apreendida pela graça. Como se expressou o teólogo católico Karl Rahner: Não há pessoa alguma que, como homem remido, como fruto da redenção (e é nessa dimensão que se move a Igreja), possa representar mais nitidamente a existência cristã do que a Santíssima Virgem, Mãe de Deus. E visto que pela fé temos conhecimento dela, anterior e independente duma teologia da Igreja plenamente desenvolvida, temos conhecimento da Igreja, em razão e na medida do conhecimento que temos de Maria. Há, portanto, um caminho que conduz da Mariologia à Eclesiologia, porque, assim o poderíamos exprimir, há um caminho que leva da Cristologia à Eclesiologia e porque a Cristologia, quanto a seu conteúdo concreto na história da salvação, apresenta um aspecto mariológico, porquanto o Verbo divino assumiu carne humana pela Virgem”.
Não é necessário aqui fazer uma exposição sobre os dogmas marianos, mas partimos do reconhecimento de que todos os dogmas, enquanto refletem as verdades de fé, são verdades salvíficas, isto é, dizem respeito à proclamação e à realização da salvação ou da ação divina de conduzir os homens e as mulheres para a vida plena, vida que começa aqui e que se tornará realidade definitiva no céu (estamos no terreno da índole escatológica da Igreja, afirmada na Lumen gentium, cap. VII), isto é, porque começa aqui quer dizer já é definitiva e que a Igreja reconhece que a Mãe de Jesus já vive essa vida. Claro está, que essa vida é proporcionada pela fé em Cristo e não pelos méritos do homem, e esse é o ensinamento de São Paulo, tanto na carta aos Romanos e na carta aos Gálatas, como na carta aos Efésios, onde afirma que fomos predestinados (cf. Ef 1,3-14). O reconhecimento disso poderia já fazer um salto enorme no diálogo ecumênico, enquanto que estamos no mesmo patamar de uma apresentação da graça da justificação pelos méritos de Cristo: Maria é, assim, o exemplo concreto do que Deus, por meio de Cristo e do seu Espírito, quer e realiza para o homem.
(3ª parte na próxima segunda-feira)
Por Pe. Paulo Henrique da Silva
Diretor de estudos do Seminário de São Pedro