Por Diac. Paulo Felizola
Durante a pandemia da COVID-19, era comum pensarmos que após aquela tragédia que assolou o mundo, teríamos um mundo mais humana, mais solidário e, para nós cristãos, um mundo mais próximo dos valores do Evangelho. Nos enganamos redondamente. Temos a impressão de que a desumanização foi agravada, a solidariedade deu lugar a um individualismo sem limites e ao egoísmo; a mentira virou verdade com a proliferação das fake news repetidas exaustivamente; o politicamente incorreto passou a ser defendido sem o menor pudor; o negacionismo, escondido atrás de uma falsa liberdade de expressão, exacerbou o achismo; a desigualdade foi acentuada, aumentando a exclusão e o descarte dos mais pobres; a xenofobia passou a ser defendida abertamente e a violência foi revelada em plenitude, seja contra a pessoa humana ou contra a natureza. É bom lembrar ao leitor que não estamos querendo dizer que não tínhamos nada disso antes da pandemia. Tínhamos, porém sem tão grande ênfase como atualmente.
Diante das constatações acima listadas, não temos a intenção de exaurir todas estas questões relacionadas ao quadro pintado. Queremos, apenas, convidar o leitor a uma (re)leitura, atenta, da Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium” e da Carta Encíclica “Laudato Si”, escritas antes da pandemia mais que estão, cada vez mais atuais e, nessa (re)leitura, dispensar atenção especial à crítica que o Papa Francisco faz à “Idolatria do Dinheiro”, como a raiz da desumanização, da exclusão, do descarte e dos graves problemas ambientais que assolam a nossa “Casa Comum”.
A primeira coisa que nos chama atenção, no que o Papa chama de Idolatria do Dinheiro, é a mistura de duas áreas que aprendemos serem separadas. A idolatria, por ser a adoração de um deus falso, portanto, faz parte da discussão teológica/religiosa sobre qual deus é o verdadeiro e qual é o falso, o ídolo. Por outro lado, temos o dinheiro, que faz parte do mundo da economia, por ter como finalidade a mensuração da riqueza, a acumulação de valores e servir de intermediário nas relações de compra e venda, ou seja, nas relações de troca. Ressaltemos, no entanto, que nem sempre foi assim. A separação dessas duas áreas só ocorreu com o advento da modernidade ao separar a esfera da vida pública e social da esfera da vida privada e religiosa, opondo, assim, as ciências à fé e à teologia, reduzindo a religião, portanto, à esfera da vida privada espiritual e à preocupação com a vida após a morte, enquanto as questões sociais diziam respeito, apenas, às ciências sociais e à economia, portanto, fora do alcance da teologia e da Igreja.
Não devemos ter dúvidas, portanto, que ao criticar a idolatria do dinheiro como a grande responsável pela morte dos pobres, pela globalização da indiferença, pelo individualismo, pelo consumismo e pedir para que digamos não à economia que mata, o Papa está nos exortando a não vermos este mundo pós-moderno, principalmente o mundo parido pelas dores da pandemia, através das lentes neoliberais dos intelectuais ou ideólogos dessa era, a não vermos o mundo pós-moderno como algo marcadamente secularizado e ateu que apresenta a economia e a política imunes ao questionamento teológico.
Na lógica neoliberal, o pobre é pobre porque é pobre, vivendo, assim, o que a teoria econômica define como o círculo viciosa da pobreza. Consequentemente, para essa lógica, não há justiça fora das leis do mercado divinizado e que, portanto, a exclusão social, a morte dos pobres, a degradação da casa comum e o desprezo pela vida são consequências da desobediência ou desvios dessa lógica. Logo, para a lógica neoliberal reconhecer os valores democráticos de uma sociedade justa e o direito de todos os seres humanos de ter uma vida digna é o que leva à injustiça. Assim sendo, a desumanidade da lógica neoliberal, pode ser resumida, na triste constatação de que, se os pobres são os responsáveis por sua própria pobreza, não merecem nenhuma ajuda, mas somente a punição.
Em resumo, portanto, para Francisco o que explica a globalização da indiferença perante a desumana e crescente desigualdade e exclusão social é a idolatria do dinheiro, de um dinheiro que governa em vez de servir, rejeitando a ética e a Deus. “A ética é rejeitada na medida em que é olhada, habitualmente, com desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como ameaça, porque condena a manipulação e a degradação da pessoa. Em última instância a ética leva a Deus, que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do mercado. Para estas, se absolutizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana.” (PAPA FRANCISCO, 2013, n. 57).
REFERÊNCIAS
PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. São Paulo: Loyola, 2013.
Laudato si. São Pauo: Loyola, 2015.
SUNG, J. M. Idolatria do dinheiro e direitos humanos: Uma crítica teológica do novo mito do capitalismo. São Paulo: Paulus, 2018.
Diácono Paulo Felizola de Araújo
Paróquia de Nossa Senhora do Ó - Nísia Floresta(RN)
Arquidiocese de Natal
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