quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Neste Artigo o Pe. João Medeiros fala sobre a comemoração de Finados

Comemoração do Dia de Finados


Padre João Medeiros Filho
Arquidiocese de Natal
No cristianismo, a solenidade litúrgica do Dia de Finados data do século XI. A iniciativa partiu dos monges beneditinos. Santo Odilon, abade do Mosteiro de Cluny (França), determinou que nos conventos filiados à Ordem de São Bento fosse celebrada uma missa em memória dos falecidos. Haveria não apenas o sufrágio dos benfeitores e antigos frequentadores das igrejas monacais, mas de todos aqueles que já tinham partido para a Casa do Pai. Fixou como data da cerimônia, um dia após a Festa de Todos os Santos, ou seja, 2 de novembro. Paulatinamente, outras autoridades eclesiásticas foram adotando esse rito, tornando-o universal na Igreja, atualmente.

O apóstolo Paulo pregou: “Irmãos, não queremos deixar-vos na ignorância quanto aos que adormeceram para que não fiqueis tristes como os que não têm esperança. Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos igualmente que Deus, por meio Dele, reunirá consigo os que Nele adormeceram.” (1Ts 4, 13-14). Tais palavras são oportunas e podem ser dirigidas a cada um de nós. O Dia de Finados não deve ser marcado por tristeza e lamentações, mas por recordação e aprofundamento daquilo que nossos entes queridos nos transmitiram. Hoje, é dia de agradecimento. Com as bênçãos divinas, somos fruto do que nossos ancestrais nos ensinaram.

No Brasil, por orientação do episcopado, festejam-se, no primeiro domingo de novembro, os santos de todas as épocas, espiritualidades, raças e condições sociais, canonizados ou não. A Solenidade de Finados é mais íntima. Cultuam-se pessoas amadas, daí as saudades. Devemos ser gratos ao Pai pelo dom de suas existências. Cremos na doutrina do Corpo Místico, que nos une e irmana. Desta forma, mudam apenas as modalidades do existir, não da presença. A Igreja deseja também que seja um dia de reflexão sobre a nossa efemeridade. Trata-se de aproveitar alguns momentos privilegiados para pensar naqueles que nos deram tantas alegrias e nos precederam na Eternidade. Se o pensamento e a mídia digital nos aproximam, mesmo distantes, muito mais a graça divina, rompendo as barreiras temporais e geográficas. Cristo é a fonte e razão dessa unidade.

O medo da morte impede-nos a descoberta da beleza da vida eterna. Tentamos superar o sentimento de perda. Entretanto, ignoramos o outro lado, no qual o Onipotente revela a grandeza da realidade espiritual, que ultrapassa os limites terrenos. Sentimos dificuldades em acreditar nas palavras do prefácio da missa de finados: “Aos vossos fiéis, Senhor, não é tirada a vida, mas transformada.” Os teólogos católicos dos primeiros séculos referem-se à morte como a quebra do casulo para que possamos dar o voo definitivo. Às vezes, queremos ficar presos a esse invólucro e perdemos as maravilhas da liberdade de quem parte para Deus, que nos concede “a vida em plenitude” (Jo 10, 10) pelo seu Filho, encarnação do perdão e amor do Pai.

A celebração desta data é também, metaforicamente, a de nossas perdas cotidianas. Grandes sofrimentos, decepções, tristezas e derrotas têm sabor de morte. Mas, o Senhor não nos deixa sozinhos, relegados ao desespero. Pode-se comprovar na história do povo bíblico, em seus exílios e no deserto. Por outro lado, comemora-se igualmente nossa ressurreição ou vitória, oriunda de nossa crença. Com Deus não corremos perigos e podemos alimentar a chama da esperança. Segundo os ensinamentos neotestamentários, não há comparação entre os padecimentos deste mundo e a glória futura. O Criador reserva-nos o inimaginável, que supera de longe nossas dificuldades e dores. O Dia de Finados é, portanto, a proclamação da certeza de uma fé que nos consola e fortalece. Nesse dia, dedicamo-nos a reverenciar a memória daqueles que amamos, apesar de fisicamente invisíveis. O vazio corpóreo e cronológico é preenchido pela força da graça cristã. A liturgia da Igreja é um convite a nos colocar numa atitude de escuta silente daqueles que marcaram nossa história. A solenidade dessa data propõe-nos um encontro transcendente, em que nos reunimos para ouvir no íntimo da alma aqueles que – hoje no reino celestial – nos ajudaram a viver o dom da existência. Lembrando Santo Agostinho, “a morte é a aurora da eternidade!”

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