Nesta semana o Pe. João Medeiros fala sobre o servir e o não se servir no Sacerdócio Ministerial
Amanhã, quinze anos sem a presença física de Dom Nivaldo Monte. Educador, poeta, escritor, acadêmico, sobretudo sacerdote e bispo. Centelha do Eterno, aceno da Onipotência misericordiosa, assim foi nosso pastor. Viveu momentos difíceis para implantar as reformas do Concílio Vaticano II e repensar a vida eclesial, na arquidiocese de Natal. Sofreu com a perda de uma dezena de padres que optaram pela vida leiga. Alguns colaboradores procuraram criar um clima de animosidade entre ele e irmãos do episcopado. A todos, Dom Nivaldo respondia com serenidade e sabedoria: “Conheço meus irmãos e eles me conhecem, de longa data.” As rusgas não partiam dele, mas dos auxiliares.
Com ele aprendi muito sobre a vida sacerdotal. Ainda hoje, sua postura me faz refletir sobre o sacerdócio. Tempo houve em que os padres gozavam de forte influência social. “Casavam e batizavam”, literal e figuradamente. Diz-se que, em certos lugares, alguns chegavam a mandar mais do que delegados, prefeitos, promotores e juízes. É evidente que se trata de um anedotário – ancorado na realidade – sobre o poder do clero. Lideranças religiosas influem na vida das pessoas. E, não raro, há os que confundem os papéis. Após o Vaticano II, o tipo de padre que, por vezes, ocultava uma forma de mando e controle, tende a desaparecer. Entretanto, é da natureza de uns a nostalgia do poder. Esta reaparece, mesmo em tempos e contextos de secularização.
A dimensão espiritual é estruturante na vida humana. O sagrado encontra-se envolto em reverências e pelo transcendente. É relevante a recomendação da Sagrada Escritura: “Não toqueis nos meus ungidos e a meus profetas não façais mal.” (1Cr 16, 22). Há sacerdotes que vivem suas funções ministeriais na lógica do serviço aos irmãos. “Eu vim não para ser servido, mas para servir e dar a minha vida para a salvação de muitos.” (Mt 20, 28). Em contrapartida, existem os que encontram realização no status da função exercida. Apesar da crescente consciência do papel do laicato, vários ministros ordenados recriam formas sutis de clericalização. Não se contentando em exercer a liderança no plano pastoral, estendem-na para o profano. “Falta-lhes reflexão teológica sobre o sacerdócio ministerial, a imanência e transcendência da Igreja”, afirmou o teólogo Monsenhor Gerard Phillips, por anos senador cooptado do parlamento belga.
Os lampejos do Vaticano II e os ventos da secularização não empalideceram a figura ministerial do presbítero. Entretanto, é preciso que ela seja redefinida para evitar ambiguidades, distorções e abusos. O padre não deve ser mais um ordenador social, tampouco aquele que dita comportamentos. A postura impositiva dá lugar à propositiva. Essas concepções e consequentes mudanças desencadearam uma crise no clero, que deve se deparar e adaptar-se à nova realidade. Alguns não conseguem elaborar respostas. Uma atitude – fácil e confortável – consiste em tentar recuperar um passado, tido como áureo: a semiótica da pompa, obnubilando o brilho da espiritualidade como vivência da graça.
É preciso refletir sobre a formação intelectual e psicológica dos sacerdotes. O crescente número de padres que adoecem (de vários distúrbios) faz emergir a necessidade de um olhar mais solidário para os que se dedicam ao serviço espiritual. Urge repensar a importante questão de quanto o status religioso e social pode dificultar o processo de equilíbrio e maturidade dos ordenados. Somos convidados a considerar a irreversível ressignificação do papel sacerdotal. Este deverá ser qualificado para um verdadeiro serviço humanizador e transcendental. A Igreja no Brasil sente ainda saudades do padroado. Por vezes, o presbítero invade o território leigo ou profano. E, frequentemente, agentes políticos delineiam o discurso “religioso e teológico de membros do clero”. A formação espiritual, intelectual e humanística dos presbíteros é importante. Eles não podem deixar de interagir numa sociedade altamente crítica. Antes, eram admirados por sua vasta erudição. Hoje, parte dos sacerdotes não detém o diploma de graduação formal devidamente aprovada e reconhecida pelo poder civil. Isso pode levar alguns a compensar a ausência de uma formação acadêmica sólida com um modelo de comportamento impositivo. “Entre vós não seja assim. Quem quiser ser o maior, no meio de vós, seja aquele que serve.” (Mc 10, 43).