Por Dom João Cardoso
A distinção gramatical entre tristeza e acídia é de suma relevância, especialmente no contexto da espiritualidade cristã. Embora ambos os termos possam parecer semelhantes em suas manifestações externas, eles possuem diferenças conceituais significativas que são fundamentais para o entendimento da moralidade e da prática cristã.
Na Suma Teológica, Pars Prima Secundae, Santo Tomás de Aquino aborda a tristeza no contexto do Tratado das Paixões da Alma (Questões 35 a 39). Ele a define como uma paixão que surge do reconhecimento de um mal presente, que contraria o desejo do bem. Em sua essência, a tristeza é uma reação à perda ou à ausência de um bem percebido. Santo Tomás explora a relação entre dor e tristeza, apontando que a tristeza pode ser vista como uma dor interior, uma aflição da alma que se manifesta quando o mal é experimentado ou percebido.
Além disso, Aquino diferencia entre a tristeza que é conforme à razão e aquela que é contrária à razão. A tristeza conforme à razão pode surgir do pesar pelos próprios pecados ou do lamento pelas injustiças do mundo, sendo, portanto, uma tristeza "boa" que conduz ao arrependimento e à conversão. Por outro lado, a tristeza contrária à razão é aquela que leva ao desespero e à desesperança, podendo ser considerada um mal, pois afasta a alma de Deus e da prática das virtudes.
A acídia, segundo Santo Tomás de Aquino, é uma espécie particular de tristeza, distinta por sua natureza e efeitos. Definida como "uma tristeza que leva à apatia", a acídia é vista como um vício capital que afeta especificamente o desejo de Deus e das coisas divinas. É um tipo de abatimento espiritual que resulta na falta de motivação para realizar atos bons e virtuosos, incluindo a oração e a contemplação (Suma Teológica, Secunda Secundae, Tratado sobre a Caridade, Questão 35).
A acídia é frequentemente associada à preguiça, mas é mais profunda e complexa. Ela representa uma forma de desespero que mina a energia espiritual, levando à inação e ao abandono das responsabilidades espirituais. É por isso que Aquino classifica a acídia como um pecado capital, pois é a raiz de muitos outros pecados, como a negligência dos deveres religiosos e o afastamento da vida comunitária e eclesial.
O Papa Francisco, tanto em suas catequeses quanto na Evangelii Gaudium, aborda a tristeza e a acídia em uma perspectiva pastoral, enfatizando a necessidade de discernimento e combate a essas realidades espirituais. Na catequese sobre a tristeza, o Papa Francisco distingue entre uma tristeza saudável, que leva ao arrependimento e à conversão, e uma tristeza perniciosa, que paralisa e impede a ação (Audiência Geral, 07/02/2024). Ele alerta contra a "tristeza do mundo" que leva à morte espiritual e destaca a importância de cultivar a alegria do Evangelho e a esperança cristã (Audiência Geral, 07/02/2024; Evangelii Gaudium, 1-4; 83.275).
O Papa Francisco descreve a acídia como uma tentação perigosa, muitas vezes disfarçada de preguiça ou apatia. Ele a considera uma forma de falta de cuidado espiritual, que afeta especialmente aqueles que se sentem sobrecarregados pelas exigências da vida moderna. Francisco enfatiza a necessidade de paciência na fé e de perseverança, mesmo diante da aridez espiritual, como um antídoto contra a acídia (Audiência Geral, 14/02/2024).
Para evitar a "tristeza melosa" que se apodera da alma, é preciso cultivar uma espiritualidade de profunda intimidade e comunhão com Deus (Evangelii Gaudium, 83). A fé cristã oferece os recursos necessários para superar tanto a tristeza quanto a acídia, através do cultivo da esperança cristã e da prática das virtudes. A participação na comunidade eclesial e a vivência dos sacramentos também desempenham um papel fundamental no fortalecimento da fé e na prevenção do desânimo espiritual. A luta contra a tristeza e a acídia é uma batalha contínua, mas essencial para viver uma vida cristã plena e significativa. Em Cristo, podemos encontrar a alegria e a paz que superam todas as formas de tristeza e desânimo, pois ser cristão não é um peso, mas um dom. Encontrar Cristo foi o acontecimento mais importante de nossas vidas (Documento de Aparecida, 23; 32: Evangelii Gaudium, 2-4; 10).
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo Metropolitano de Natal