No documento "Liberdade Religiosa para o Bem de Todos: Uma Abordagem Teológica dos Desafios Contemporâneos", a Comissão Teológica Internacional (CTI) aprofunda o tema da liberdade religiosa na contemporaneidade, a partir de uma atualização da Declaração Conciliar Dignitatis Humanae, publicada em 1965, em um contexto histórico muito diferente do atual. Hoje, o debate sobre a liberdade religiosa situa-se no âmbito dos direitos humanos e liberdades civis do Estado Liberal.
A liberdade religiosa ressurge como um tema central nos debates contemporâneos das sociedades secularizadas, que têm alterado sua percepção acerca da relação entre religião e sociedade. As grandes tradições religiosas não são mais vistas como resíduos de culturas pré-modernas ultrapassadas pela história. Hoje, mesmo em sociedades secularizadas, as diversas formas de comunidade religiosa são consideradas relevantes na intermediação entre indivíduos e Estado, reconhecendo sua significativa influência na formação da identidade pessoal, na interpretação do vínculo social e na busca do bem comum.
O debate sobre a liberdade religiosa geralmente relaciona-se com uma concepção de direitos humanos e liberdades civis associada à cultura política liberal, democrática, pluralista e secular. A retórica humanista enfatiza valores como convivência pacífica, dignidade individual e diálogo intercultural, conforme expressa na linguagem do Estado liberal moderno, cujos princípios cristãos desempenharam importante papel na formação e universalização desses valores.
Nas sociedades secularizadas de hoje, as comunidades religiosas são percebidas como relevantes, mas surgem desafios como o fundamentalismo religioso e o "totalitarismo moderado" do Estado Laico. Nesse contexto, o fundamentalismo não se trata de um mero retorno à religiosidade tradicional; mas constitui uma reação à concepção liberal do Estado moderno com seu relativismo ético e indiferença religiosa. O Estado Liberal, com sua proclamada neutralidade, torna-se incapaz de lidar adequadamente com a fé e a pertença religiosa, favorecendo a propagação do niilismo ético na esfera pública. Ao defender uma suposta neutralidade que busca estabelecer regras de justiça com base meramente processuais, rejeitando qualquer fundamentação ética e inspiração religiosa, o Estado Liberal desenvolve uma ideologia de neutralidade que, na prática, marginaliza e exclui a expressão religiosa da esfera pública.
A neutralidade transforma-se em uma ideologia que favorece uma liberdade civil discriminatória, refletindo-se na limitação da plena participação do componente religioso na formação da cidadania democrática. Uma cultura civil que define seu próprio humanismo por meio da remoção do componente religioso compromete partes essenciais de sua história, tradição, conhecimento e coesão social. Isso conduz à destruição de elementos fundamentais da humanidade e da cidadania a partir dos quais a própria sociedade se constitui, provocando reações, especialmente entre os jovens, que buscam refúgio em formas extremas de fanatismo, seja ateísta ou teocrático, fenômeno que deveria nos instigar a uma profunda análise e reflexão.
A ideologia da neutralidade do Estado Liberal exclui seletivamente o testemunho da comunidade religiosa na esfera pública, reduzindo a busca da verdade moral à esfera individual. Isso cria uma contradição, pois a autoridade ética é apresentada como essencial e, ao mesmo tempo, é excluída da esfera pública. Essa suposta neutralidade abre caminho para uma ideologia oculta do poder. O Papa Francisco nos adverte a respeito disso e nos alerta: "Quando, em nome de uma ideologia, se quer expulsar Deus da sociedade, acaba-se por adorar os ídolos, e muito rapidamente o homem se perde a si mesmo e tem seus direitos violados".
Por outro lado, as teorias que consideram o Estado liberal como totalmente independente da contribuição da cultura religiosa favorecem a sua vulnerabilidade diante das pressões de formas de religiosidade, inclusive a pseudo-religiosidade, que buscam influenciar o espaço público sem respeitar as regras de um diálogo cultural respeitoso e do debate democrático. A proteção da liberdade religiosa e da paz social requer um Estado que promova a cooperação entre comunidades religiosas e a sociedade civil, além de implementar uma cultura adequada à religião. A cultura civil deve superar preconceitos ideológicos em relação à religião, enquanto a religião deve expressar sua visão de maneira compreensível. A atitude de cooperação da fé cristã com o Estado pode ser pensada dentro de uma 'laicidade positiva nas instituições estatais', conforme proposto por Bento XVI, promovendo a educação religiosa como uma via privilegiada para fomentar o reconhecimento mútuo, permitindo, ao mesmo tempo, que as religiões passem por um processo de purificação, guiado pela reta razão.