Por Padre Matias Soares
Pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligorio
Mirassol, Natal/RN
📷Divulgação/Arquidiocese de Natal |
Uma das minhas atuais leituras tem sido “La Chiesa brucia? Crisi e futuro del Cristianesimo”, de Andrea Riccardi. Um livro inquietante, que descreve e analisa a situação da Igreja na Europa e seus grandes desafios contemporâneos. As questões levantadas vão das impostações ideológicas às estratégias usadas pela Instituição nas relações com as demais instituições, regimes totalitários e orientações pontificais emanadas da Santa Sé.
Além de pontuar a situação história da Igreja, nos tempos atuais. É de fato, uma leitura que nos leva a reflexões. Já aqui, na América Latina e no Brasil, a nossa situação “ainda” aparece com possibilidades da vivência de um catolicismo majoritário.
Os resquícios sistêmicos, deixados pelos colonizadores espanhóis e portugueses, ainda sustentam uma religião que vive das suas tradições e impostações sacramentalistas.
Quando analisa a situação da Espanha e Portugal, o autor supracitado descreve a situação extremamente laicista destes países. Ou seja, como o que vivemos aqui, no Terceiro Mundo, é normalmente um reflexo do que acontece nos países europeus, sem falar no americano, logo, logo, num futuro não tão distante, teremos essas avalanches por aqui.
Na tentativa de “adequar-se” às lógicas circundantes e relativistas, nós também podemos assumir posturas que em nada ajudam ao processo de evangelização, muito especialmente agora, que as desconstruções subjetivas e estruturais vieram à tona com a pandemia. Os argumentos e preocupações que nos impelem, precisam ser os da urgência de uma “conversão missionária”, que em nada quer dizer que devamos “baratear” a dinâmica do genuíno acolhimento da Igreja e na Igreja, que não pode dispensar o amor e o serviço à verdade. Nesta linha, o que devemos concretizar para que o “verdadeiro acolhimento” aconteça é dar “qualidade pastoral” aos nossos projetos missionários, que em nada significa deixar de fomentar o crescimento espiritual do povo de Deus, principalmente considerando o autêntico sentindo da celebração sacramental para a vida cristã.
A formação catecumenal e continuada para vida sacramental precisa ser o caminho feito por todas as paróquias, como já escrevi em outra reflexão, quando essas além de estarem atentas aos que estão fora da Igreja, também precisam cuidar dos que estão dentro. Nas atuais circunstâncias, nós estamos contribuindo com uma mentalidade secularista e neo-pagã de muitos fiéis que não têm consciência do real significado dos sacramentos e que buscam as paróquias como uma simples prestadora de serviços. Estamos escolhendo o caminho mais fácil e mais conveniente “economicamente” para alguns, que praticam simonia sem nenhuma crise de consciência, permitindo com muita facilidade as celebrações sacramentais “fora das igrejas”. A Igreja é Mãe e Mestra. Ela acolhe com ternura, mas forma para o testemunho da verdade.
A conversão das estruturas sobre a qual fala o documento de Aparecida não quer dizer omissão na missão que nos foi confiada pela mesma Igreja. Claro que podemos considerar alguns necessidades pastorais, mas não é salutar deixar que o laxismo assuma o seu protagonismo. Na atualidade está tornando-se comum as pessoas estarem celebrando os sacramentos em restaurantes, hotéis, casas de praia etc. os argumentos utilizados são os mais descabidos possíveis.
A dificuldade que temos com o Livro de Anotações dos Matrimônios, que ninguém quer ficar responsável. Enfim, os problemas são sempre jogados nas costas dos outros. Nos faltam espaços de debates para conversarmos sobre essas questões e problemáticas hodiernas que não podem estar desapercebidas por “uma Igreja verdadeiramente sinodal e fraterna”. Uma Igreja sinodal é basicamente aquela da oração e da escuta para que o discernimento da ação missionária e pastoral seja concretizado. Temos muito o que aprender e avançar neste sentido.
A nossa situação pós-pandemia exige urgentemente isso de nós. A dinâmica do processo não é simplesmente a de quem “ocupa espaços”; mas a de quem “inicia processos”. Nós podemos até saber que o secularismo e as contraposições do mundo atual estão às nossas portas; mas isso não quer dizer que já nos entreguemos a quem nos quer tragar. Revisitemos o documento de Aparecida e a Alegria do Evangelho. Ali as pistas continuam sendo luzes interessantes para a vivência evangélicas e eclesiais neste novo mundo. Por fim, é tempo de reavivarmos as nossas límpidas intenções. O Evangelho é sempre a nossa bússola. Jesus nos convida a um apostolado “livre e oblativo”.
Ele nos concedeu autoridade. Nesta realidade tão complexa e, às vezes, perplexa, a nossa missão é sempre desafiadora. Nos sintamos inquietos e buscantes de respostas novas. Vamos em frente, com fé, esperança e amor, para anunciar o Reino de Deus, aqui e agora, com servidores do amor e na verdade. Assim o seja!